Publicado por Redação em Carreira - 30/07/2021

Adore os problemas que aparecem na carreira: eles ajudam a inovar

“Somente pensamos quando confrontados com um problema”, John Dewey, filósofo (1859-1952).

De onde vem a inovação? Da comodidade? Da preguiça? De um sonho absurdo? Da pesquisa? Das guerras? Das situações de crises? Da necessidade de adaptação? Da solução de problemas? De personalidades inovadoras, onde quer que estejam? Quando a inovação é disruptiva, destruindo para construir o novo, o inusitado? Ou pode ser uma criação não disruptiva que se incorpora de forma indolor?

Seja como for, o ser humano busca mais conforto e comodidade e tende para a acomodação. Mas nem todos e nem sempre. De fato, a inquietação também faz parte da natureza humana. Por vezes, somos estimulados a questionar o que vemos e isso impulsiona nossa criatividade. Esta é uma das origens da inovação. E é ela que promove as transformações no modo em que vivemos, nos nossos hábitos e consumo, seja no mundo dos negócios ou na sociedade.
 

A crise causada pela pandemia do novo coronavírus gerou em todo o planeta a necessidade de sobrevivência e adaptação, pressionando todos para resolver seus problemas. Desafios brotaram por toda parte: da vacina ao home office, do auxílio emergencial à compra online, do treino esportivo virtual à escola via internet.

De acordo com relatório do World Economic Forum, a resolução de problemas está no topo da lista, como a competência mais desejada. Mas afinal o que é isso? “É a capacidade de resolver problemas novos e mal definidos em ambientes complexos e do mundo real”. Ou seja, ter elasticidade mental para resolver problemas que nunca foram vistos e ser capaz de fazê-lo em um cenário que está mudando a uma velocidade acelerada. Ainda, segundo o relatório, para mais de um terço de todos os empregos em todos os setores, a solução de problemas complexos é uma das principais requisições.

Não obstante, passamos a vida querendo não ter problemas. É curioso, qualquer tipo de felicitação, seja por aniversário, casamento, viagem, novo emprego ou nova casa, a mensagem é: “tomara tudo corra bem e não haja problemas”. Problema é mau e é um castigo dos deuses! Nunca encaramos problemas como algo positivo e bem-vindo em nossas vidas, seja na esfera pessoal ou profissional. No entanto, eles são fundamentais para se inovar e evoluir. “Problem Based Learning” é uma metodologia ativa muito apreciada. Justamente, começa com problemas.

Filme “Moneyball: o homem que mudou o jogo” (2012). Foto: Reprodução.

Então, as principais perguntas são: onde estão os problemas? Como encontrá-los e defini-los? Como podem gerar inovações? Ao fazer uma pausa na escrita deste artigo, liguei a TV e, circulando pelos canais, vejo o Boston Red Sox jogando beisebol contra o New York Yankees, multicampeão e o time mais popular dos EUA. Vale destacar que são arquirrivais, representantes de uma rivalidade histórica que se estende a outros esportes entre as duas cidades.

Bingo! Daí foi impossível não relacionar minhas reflexões iniciais com o filme “Moneyball: o homem que mudou o jogo” (2012), dirigido por Bennett Miller e tendo como roteiristas Aaron Sorkin e Steve Zaillian. Aí está um bom exemplo de inovação e mudança, que foi baseado em fatos reais ocorridos durante a Major League Baseball (MLB) de 2001-2002, e descrito no livro “Moneyball: The Art of Winning an Unfair Game”, do escritor Michael Lewis.

Trata-se de um caso raro de um time de beisebol (Oakland Athletic), mostrando a sequência de 20 vitórias consecutivas, pagando os menores salários da Liga daquela temporada. Estabeleceu um novo recorde. A se notar, o mesmo time havia começado o campeonato com uma sequência de onze derrotas seguidas. O que ocasionou tal mudança? Na temporada anterior (2000-2001) Billy Beane, gerente geral do clube, até que conseguiu um bom desempenho do time, mas perdeu duas fases antes da finalíssima da MLB, justamente para os Yankees. E o pior, também perdeu seus três melhores jogadores para os times ricos. “Somos doadores de órgão para o NY Yankees”, diz Beane, referindo-se à folha de pagamento do seu time em comparação com os orçamentos milionários dos concorrentes.

Frente à situação ingrata de ter que reconstruir o time com parcos recursos, Beane presta atenção às teorias do economista Peter Brand, um nerd recém-formado em Yale e que se dedicou a estatísticas e probabilidades. Seus interesses o levaram a uma séria análise de custo-benefício dos jogadores deste esporte. Para Peter, Beane deveria contratar jogadores baseado em seus KPIs (Key Performance Indicator), que apontavam para nomes subvalorizados da Liga. Adequando-se ao seu orçamento restrito, Beane e Brand montaram um time que, a princípio, não tinha muito crédito, mas que, durante a temporada, provou ser a melhor aposta na história do esporte. Gastou menos dinheiro e usou jogadores que não recebiam atenção dos olheiros, porque tinham tido alguma contusão, algum problema ou por já serem considerados velhos.

Esse terremoto nas escolhas mudou completamente a forma dos empresários do setor investirem no esporte. E foi uma restrição – o baixo orçamento – que forçou a inovação. Para se ter um time vencedor não é sempre necessário seguir apenas os conselhos dos veteranos olheiros da equipe. Até o próprio técnico do Oakland Athletic sentiu que sua experiência estava sendo menosprezada.

É o conhecimento tácito dando lugar ao explícito: análise de dados, análise de informações, números, estatísticas, Big Data, entre outros. Um problema já existente no mundo do beisebol foi resolvido com novas abordagens e estratégias, mudando as regras e o modelo de negócio desse esporte. De fato, os times gigantes da Costa Leste passaram a adotar as mesmas estratégias de contratação e gestão.

É lógico que essa mudança também exigiu de Beane uma liderança forte e eficaz, pautada por ideais, coragem para romper com a situação vigente e muito conhecimento, aspectos essenciais para provocar mudança organizacional. Diante de um problema grave e recorrente, foi capaz promover uma importante inovação.

* Marisa Eboli é doutora em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e especialista em educação corporativa. É professora de graduação e do mestrado profissional na FIA Business School (meboli@usp.br).


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