Publicado por Redação em Gestão de Saúde - 30/01/2020

Apesar de críticas, telemedicina já é realidade no país e deve se expandir



Ao mesmo tempo em que enfrenta críticas de entidades médicas e está na mira de uma nova regulamentação para se tornar "oficial", a telemedicina já é realidade no país em serviços públicos e privados.

A diferença é que, agora, o serviço de consultas e até cirurgias a distância deve passar por nova expansão.

Em fevereiro de 2019, o CFM (Conselho Federal de Medicina) anunciou que, a partir de maio, deverá passar a permitir consultas, diagnósticos e até mesmo cirurgias a distância.

Na prática, porém, muitos médicos já fazem consultas online de maneira informal por meio de plataformas como WhatsApp, Messenger e Facetime. Pacientes mandam fotos de problemas na pele para dermatologistas, por exemplo, resultados de exames e dúvidas sobre a prescrição de tratamentos e, em troca, recebem orientações dos médicos. 

Outros serviços, como as chamadas teleconsultorias e teletriagens, também têm sido oferecidos por hospitais e planos de saúde.

“A telemedicina já era praticada por várias operadoras. Só não havia regulamentação”, afirma José Cechin, da FenaSaúde, federação que reúne as maiores operadoras de planos de saúde do país.

Para ele, a nova norma deve aumentar a segurança para empresas, médicos e pacientes e permitir a ampliação de serviços na rede de saúde.

Um dos serviços de telemedicina mais usados hoje são as chamadas teleinterconsultas, em que um médico divide o atendimento com outro profissional em busca de segunda opinião. Esse modelo já era regulado pelo CFM.

Outros atendimentos que envolvem contato de médicos e pacientes, como a teletriagem e a teleorientação, têm ganhado impulso no país mesmo sem regulamentação. Nesses casos, o paciente liga em uma central e tira dúvidas com o clínico-geral ou especialista sobre que caminho seguir no sistema de saúde –caso de alguém que machucou o joelho e está em dúvida se precisa ir ao pronto-socorro, por exemplo.

Na SulAmérica, esse modelo é oferecido desde o fim de janeiro com foco na teleorientação pediátrica. Por meio de aplicativo, os pais de crianças de até 12 anos podem conversar com pediatras por videoconferência até duas vezes ao ano.

Apesar da semelhança, a diretora de sinistro em saúde da operadora, Erika Fuga, nega que a situação configure uma consulta formal e diz que os atendimentos são rápidos. “A ideia é tratar casos simples, em que a mãe precisa de orientação. Às vezes ela está em dúvida e não tem noção da gravidade do quadro.”

Após a avaliação, a operadora pode enviar um médico para a casa do usuário ou indicar uma ida a um pronto-socorro, caso haja necessidade. Também é possível encaminhar uma ambulância.

De 17 casos atendidos e acompanhados em janeiro deste ano, 14 foram resolvidos e não precisaram desses deslocamentos.

O serviço está disponível para 91 mil usuários, mas a intenção é expandir para todos os clientes —cerca de 2 milhões de usuários. "Estamos aguardando o fim das discussões”, diz Fuga, sobre a perspectiva de revisão das normas pelo CFM.

Outras operadoras também acompanham as discussões do CFM para implementar os planos de expansão dos serviços de telemedicina guardados na gaveta. É o caso da Omint, segundo o diretor médico Marcos Loretto.

“É preciso que fique muito claro que a telemedicina é uma ferramenta e não substitui o profissional. Da mesma forma que o médico usa o estetoscópio para examinar o paciente, ele vai poder usar a telemedicina para auxiliar no dia a dia.”

A possibilidade de ampliação da telemedicina tem sido criticada pelos conselhos regionais de medicina, o que levou o CFM a abrir uma consulta pública para receber sugestões. O prazo termina em 6 de abril.

A maior parte das críticas diz respeito às consultas não presenciais e à segurança dos dados. Pelo texto inicial, a teleconsulta pode ocorrer somente após um primeiro contato, com exceção das populações que vivem em áreas geograficamente remotas, para as quais o atendimento pode começar já de modo virtual com acompanhamento de outros profissionais de saúde.

A falta de definição sobre o que são áreas geograficamente remotas, contudo, trouxe o temor de que a teleconsulta seja usada de forma desenfreada e aumente a distância entre médicos e pacientes.

“São discussões relevantes e saudáveis até para o modelo convencional de consulta. Hoje grande parte das reclamações de pacientes é de médicos que sequer levantam os olhos para enxergá-los durante a consulta presencial”, diz Caio Soares, diretor médico da Teladoc, uma das maiores empresas do mundo em telemedicina, que atua há três anos no Brasil. 

Para ele, o que o conselho fez foi regulamentar uma prática “que já vem acontecendo de forma não estruturada e com ferramentas que não oferecem nenhuma segurança de dados”. 

A proposta de regulação da telemedicina também tem sido considerada conservadora em relação a outros países. Nos EUA, no Canadá e em Israel, a pessoa pode comprar uma consulta por meio de um aplicativo e já falar com o médico em tempo real por vídeo. Dispositivos médicos são usados para aferir a pressão arterial, fazer eletrocardiograma e até examinar ouvido e garganta a distância. A partir disso, o médico dá o diagnóstico e pode prescrever uma medicação, que pode ser enviada diretamente para farmácia ou ser entregue em casa.

“A telemedicina é usada no restante do mundo há muito mais tempo”, diz Reinaldo Scheibe, da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde). “Já estamos até atrasados”. Para ele, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde em alguns locais faz com que muitos pacientes recorram ao “Dr. Google”, algo que a regulamentação e o acesso mais fácil a teleconsultas poderia coibir.

O economista Paulo Furquim de Azevedo, professor do Insper, diz que o uso das novas tecnologias como a telemedicina pode resultar na redução dos custos em saúde. Scheibe, da Abramge, concorda. “Se isso evoluir como esperamos, vai trazer mais agilidade e poderá evitar internações.”

Dentro do setor, a expectativa é que os procedimentos online sejam mais baratos que os presenciais. Em nota, conselhos apontam risco de mercantilização da medicina.

O vice-presidente do CFM, Mauro Ribeiro, afirma que, apesar de atender também a rede privada, a resolução foi pensada com foco no SUS, sobretudo em áreas distantes. “Essa modalidade não é para um grande grupo privado fazer telemedicina em Brasília”, disse. Ele afirma que a resolução pode ser corrigida para evitar distorções.

SUS prevê expansão da telemedicina para reduzir filas

Não é só o setor privado que se movimenta com a expectativa de ampliação da telemedicina. O assunto tem sido discutido também por gestores do SUS.

“O leque que se amplia com a regulamentação é enorme”, diz Marcelo Gonçalves, vice-coordenador do TelessaúdeRS, programa da UFRGS que oferece serviços de telemedicina na rede pública do Rio Grande do Sul desde 2007.

Hoje, o projeto tem três frentes: teleconsultoria (para troca de informações entre profissionais de saúde), telediagnóstico (exames a distância, como de oftalmologia) e regulação de filas (verificação de tempo de espera e marcação de consultas).

De acordo com Gonçalves, os resultados têm sido positivos. De 240 mil pacientes que estavam na fila para consulta com especialistas regulados pelo modelo, 50% puderam ter os casos resolvidos ainda nas unidades de saúde. 

“Um exemplo é um paciente com diabetes tipo 2 que precisa começar a aplicação de insulina. Nesse caso, a equipe do Telessaúde pode repassar a informação ao médico da atenção primária, sem encaminhar o paciente ao endocrinologista.”

Com o resultado, o projeto, inicialmente concentrado no Rio Grande do Sul, foi expandido no último ano para Manaus, Maceió, Belo Horizonte e Brasília com subsídio do Ministério da Saúde.

Nos últimos meses, a escolha de apoiadores do projeto para cargos no Ministério da Saúde tem sido encarada como sinal de que a gestão Bolsonaro pretende investir nesse setor.

A intenção também consta em documento enviado ao Congresso que cita as prioridades do novo governo. “A lista de espera por consultas, cirurgias e internações se multiplica por todo Brasil. Estratégias que aliem aumento da oferta com regulação clínica realizada por meio do Telessaúde já demonstraram êxito localmente, mas precisam ser expandidas para todo o território nacional”, diz o texto.

Questionado pela Folha, o atual secretário de gestão estratégica e participativa, Erno Harzheim, admite estudos, mas prega cautela. “Nosso primeiro passo é juntar iniciativas e fazer avaliação de mérito, custo-efetividade e desafios atuais em que a telemedicina pode ser uma ferramenta útil.”


Fonte: Folha de S.Paulo


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