Publicado por Redação em Gestão de Saúde - 02/09/2019

Consultas médicas na palma da mão



Imagine um grupo de médicos, cada um em uma cidade do Brasil, trocando informações por voz, vídeo e imagem. A cena é mais trivial do que o futurismo profetizado no cinema, mas esse contato virtual é faceta das práticas da telemedicina no País. Desde junho de 2018, o Ministério da Saúde, em parceria com o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, desenvolve o projeto Regula+Brasil, cujo objetivo é reduzir as filas de espera no Sistema Único de Saúde (SUS). 

Segundo o coordenador de Inovação e Tecnologia do Sírio, Cesar Biselli, a telemedicina coloca o paciente no lugar certo, na hora certa. “Este é um dos lemas do programa: otimizar o atendimento e usar os meios disponíveis para isso”, explica. “Muito se fala que é preciso investimento robusto para a prática da telemedicina, mas se houver acesso a um smartphone e internet, é possível fazer muita coisa boa.” 

 

Biselli conta que, só em 2019, dos 181.597 casos encaminhados ao Regula+Brasil, 62.489 foram aprovados para consultas mais específicas após a aplicação de protocolos de teleatendimento ou discussão telefônica. Os outros dois terços (mais de 60%) foram atendidos via atenção primária. Apenas com uma triagem mais certeira, os casos mais graves viram a fila de espera para consultas e exames cair de 163 dias para apenas 6. 

Atualmente, o programa funciona em unidades de saúde do Amazonas e do Distrito Federal, e nas cidades de Belo Horizonte (MG) e Porto Alegre (RS). Uma cidade do Nordeste deve ser a próxima a ser incluída no mapa do Regula+Brasil. 

Para Cesar, o acesso a médicos do Sírio em 13 especialidades, dando suporte à rede do SUS, é uma ferramenta que só tende a beneficiar a troca de informações e a rapidez nos diagnósticos. “Vivemos em um país continental, onde os serviços não chegam de maneira distribuída. Algumas iniciativas da telemedicina podem ajudar a diminuir custos e entregar mais valor à sociedade.”

O conselheiro federal do Conselho Federal de Medicina (Cremesp), Aldemir Soares, que participou de um painel sobre o tema no Estadão Summit Saúde 2019, concorda. “A tecnologia entra nas comunidades onde há carência de um médico em tempo integral e também quando as distâncias geográficas entre a comunidade e um ponto de atendimento médico viram uma barreira.” 

Tecnologia na pele

 Além do Regula+Brasil, existem outras iniciativas no Brasil que já se beneficiam de práticas da telemedicina. O Hospital Israelita Albert Einstein investe no segmento por conta própria desde 2012 e uma das especialidades atendidas é a dermatologia. 

Por meio de um produto criado pelo hospital com foco na figura do médico de família, os profissionais do Einstein conseguem orientar o médico da Unidade Básica de Saúde a ir por três caminhos: agendar e aguardar a consulta com um dermatologista, fazer o tratamento indicado pelo médico de família com auxílio de um especialista e, em casos mais graves, como suspeita de melanoma, ser encaminhado com urgência para a cirurgia. A avaliação é feita com fotos enviadas por mensagem de celular. 

Em 2017, a teledermatologia do Einstein encaminhou e resolveu de 69 mil casos dermatológicos na cidade de São Paulo. Neste ano, a iniciativa foi levada para a região de Catanduva, no interior do Estado. 

Também desde 2017, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, utiliza um programa voltado à especialidade da dermatologia. Trata-se da plataforma DermatoNet, desenvolvida para auxiliar médicos do SUS na identificação de doenças de pele e no melhor encaminhamento dos casos. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, que participa da iniciativa, foram realizados 5 mil teleatendimentos no Estado entre fevereiro de 2017 e março de 2019. 

Não há dados consolidados sobre diminuição de filas em postos de saúde, mas, segundo o coordenador do projeto, Natan Katz, foi possível observar sua diminuição, uma vez que a triagem mais assertiva faz com que tanto o paciente quanto o médico ganhem em tempo e qualidade no atendimento. A Coordenadoria de Telemedicina da universidade também tornou disponível o auxílio à oftalmologia e estuda implementar teleatendimento para casos de tuberculose. 

Cautela com os avanços

 Apesar da euforia com os avanços tecnológicos e os benefícios prometidos, parte da comunidade médica pede cautela. O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Mario Jorge Tsuchyia, admite que a telemedicina é irreversível e uma realidade, mas é preciso um debate mais aprofundado antes de ela ser regulamentada no Brasil. 

“Precisamos caminhar passo a passo com a regulamentação. É um assunto muito amplo. Não vamos conseguir fazer tudo de uma vez. Para que a sociedade se beneficie e tenha segurança, esse é o ponto de maior preocupação para o conselho regional”, diz Tsuchyia. “Enquanto não houver redução dos riscos dessa nova tecnologia, será difícil a regulamentação. É preciso discutir e definir qual o melhor formato. A sociedade precisa participar desse processo.”

A visão mais crítica de Tsuchyia, que debateu o tema no painel que abriu o Estadão Summit Saúde 2019, “O que Esperar da Telemedicina no Brasil”, se dá pelo alto custo de implementação das tecnologias e pelos problemas estruturais do Brasil, como a falta de unidades básicas de saúde e acesso ruim à internet em boa parte do País. 

Responsabilidade médica: com quem fica?

Médicos trocando informações entre si não é algo que surgiu ontem. A prática se avoluma na medida em que se amplia o acesso aos recursos tecnológicos. 

Se, há 30 anos, o intercâmbio de ideias entre médicos era feito pelo telefone, como lembra o diretor médico do Hospital Nova Star, Antonio Antonietto, hoje a troca se dá em múltiplas plataformas, em um ritmo ultraintenso e com recursos de imagem e som. Antonietto participou do painel que encerrou o Estadão Summit Saúde 2019, que discutiu o valor do serviço médico e novos modelos de remuneração.

 

“Lembro que a primeira vez que ouvi falar de telemedicina, que eu prefiro chamar de telesaúde, foi em um congresso em Londres, nos anos 1990. Uma enfermeira, ligada a uma ONG na África, telefonava para médicos da capital inglesa para saber como proceder em casos cujo diagnóstico não estava fechado. Todas as áreas da saúde trocam informações, sempre foi assim”, afirma ele. 

A corresponsabilidade médica, que, assim como a telemedicina, não está regulamentada no Brasil, é prática comum entre os profissionais e conta com o apoio de órgãos que regulam o setor, como o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), que aprova a troca de informações entre médicos por mensagem e orienta que nelas não sejam expostos nem nome nem imagens do rosto do paciente, como forma de preservar a confidencialidade do atendimento. 

O que incomoda parte da classe médica, de acordo com Antonietto, é que hoje a conversa ficou muito mais amplificada e veloz. Não só médicos têm trocado informações: pacientes e seus parentes também viraram interlocutores ativos nesse processo. “Tenho uma visão mais liberal sobre isso, mas defendo que é preciso uma regulamentação do que pode ou não ser feito.”

Antonietto lembra que hoje muitos médicos praticam “telemedicina presencial”, na qual não há contato. “Há profissionais que mal tocam o paciente e já pedem um monte de exames. Isso está errado.” Ele defende equilíbrio, assim como Roberto Nunes Umpierre, coordenador-geral do programa Telesaúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

mpierre orienta profissionais com o objetivo de “qualificar o trabalho das equipes de atenção primária à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), ajudar na tomada de decisão clínica e gerencial e aumentar a resolutividade”. Durante o processo de tomada de decisão, seja pessoalmente ou com o auxílio da tecnologia, todas as informações transmitidas pelos profissionais do programa são checadas em ao menos duas referências bibliográficas, ou seja, tem como base evidências científicas. Isso fez com que, nos 12 anos de atuação, o serviço não tenha recebido nenhuma queixa no Conselho Regional de Medicina, tampouco ação judicial por conduta imprópria, garante o médico.

Para Umpierre, se um erro eventualmente ocorrer – como a indicação incorreta de uma dosagem de medicamento –, o profissional do teleatendimento e o que orienta presencialmente devem compartilhar a responsabilidade. “É assim que os Conselhos têm entendido os casos.”

Ele lembra que a atual resolução sobre o assunto é de 2002 e que muita coisa mudou na área nos últimos 17 anos. “Acredito que deve existir uma forma de responsabilização mais específica. A consulta presencial também tem riscos, mas acho que os conselhos têm de estar bastante atentos à forma como isso está se transformando.”


Fonte: Estadão


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