Publicado por Redação em Carreira - 17/06/2021

Executivo brasileiro ganha destaque em cargos de liderança na América Latina



Nos últimos anos, em especial durante a pandemia do coronavírus, o profissional de relações institucionais e governamentais (RIG) tem ganhado uma nova importância nas corporações. Responsável por organizar a interlocução entre o poder público, as empresas e a sociedade civil, o início de um movimento de regionalização dos cargos pode beneficiar os profissionais brasileiros.

O que especialistas do mercado têm percebido é uma possível tendência das multinacionais em trazer para o País o seu mais alto cargo executivo de América Latina. Eles apontam que, antes, era mais comum que o responsável por cuidar da área de relações institucionais e governamentais Latam (sigla para Latin America) exercesse o seu cargo em Miami e Washington, por exemplo. Mas, com a movimentação, algumas companhias trouxeram esses postos para a própria América Latina e o Brasil tem sido um dos grandes contemplados. 

“Essas posições regionais sempre existiram no nosso nicho de atuação. Mas, antes, um cargo sênior ficava baseado em alguma localidade mais próxima da sede das empresas. Por exemplo, uma pessoa na Argentina responsável pelo país, uma na Colômbia, uma no Brasil, e todas respondendo ao executivo de Latam”, explica Ricardo Mendes, diretor de operações de América Latina da Prospectiva, consultoria de relações públicas e negócios. 

No entanto, segundo Ricardo, as posições seniores foram reduzidas aos poucos, a começar pelos países menores. “Ficava uma pessoa na Colômbia responsável pelos Países Andinos, uma no México trabalhando com América Central e Caribe e uma no Brasil responsável só pelo Brasil. Agora, quem fica no Brasil não cuida só do País, mas da região toda.”

Os cargos que mais estão presentes nessa movimentação, segundo ele, são aqueles que se relacionam com as áreas de relações institucionais e governamentais. Esse é justamente o caso de Ricardo, que em 2015 se mudou para Miami para abrir um escritório da empresa. Depois de quatro anos, voltou para São Paulo, de onde exerce a função de diretor de operações da América Latina ainda hoje.

“Decidimos fechar o escritório regional em Miami e manter equipes nos países. Além de melhorar a capacidade de atender os clientes nas capitais, essa estrutura é muito mais barata. Mantemos um escritório pequeno em Washington, mas a maior parte da equipe está espalhada nos países que temos escritórios”, explica. 

Ricardo observa que o movimento foi intensificado pela pandemia, mas começou antes dela, a partir de crises econômicas na região. “Para as empresas, é uma questão de custo. Você manter pessoas seniores em cada país pode se justificar quando você tem uma operação muito grande neles. A partir do momento em que as empresas entregam resultados menores, o que acontece na América Latina, elas estão buscando maneiras de reduzir os gastos que têm nos países. Ao reduzir as posições seniores em cada país e concentrando em um profissional que tem responsabilidade em toda região é uma maneira de cobrir a região gastando menos”.

Na Biotronik, multinacional alemã de tecnologia biomédica, quase todas as funções da empresa que cuidam da América Latina ficam localizadas em São Paulo, apenas uma fica na Argentina. A diretoria de relações governamentais Latam existe há cinco anos e, atualmente, é ocupada por Viviane Fialho Gonçalves, que fica na capital paulista e responde diretamente ao vice-presidente regional Latam Roberto Alvarenga.

“São vários fatores que motivam essa decisão estratégica, como custo e relevância no mercado. Um escritório de América Latina faz muito mais sentido na própria Latam do que em Miami ou em Washington. A facilidade de locomoção entre os países é muito maior e a decisão de ficar no Brasil é pela relevância do País. Um escritório regional precisa conhecer o mercado, faz muito mais sentido”, explica Roberto.

Compreensão cultural e a pandemia

A movimentação nos últimos cinco anos também foi percebida pelo Instituto de Relações Governamentais (IRelGov), entidade brasileira dedicada à discussão sobre o tema. “O Brasil é o maior mercado para multinacionais aqui na região da América Latina, por causa disso tem trazido sedes regionais para o País e, principalmente, colocado nossos colegas de relações institucionais, assuntos corporativos e governamentais como as lideranças regionais”, explica Suelma Rosa, presidente do IRelGov. Empresas como IBM, Zoom e Biotronik têm o seu mais alto cargo executivo de relações governamentais Latam sediado no Brasil.

Para ela, a questão não é econômica, mas cultural. As empresas multinacionais, segundo Suelma, têm sentido mais necessidade de estar presentes na geografia local, devido à maior facilidade de movimentação e a vantagem de uma maior compreensão cultural da região. 

“No passado, a qualidade de vida e percepção de risco, com a violência, faziam com que as sedes regionais Latam tivessem de fato baseadas na Flórida, principalmente para empresas norte-americanas. Hoje, já existe uma segurança muito alta percebida, tanto de brasileiros quanto de estrangeiros, em relação a São Paulo”, diz. 

No Zoom - multinacional norte-americana de comunicação - o cargo de diretor de relações governamentais Latam foi criado em janeiro desde ano e é, desde então, ocupado por Nicolas Robinson Andrade, de nacionalidade inglesa, mas que já mora no Brasil há sete anos. Atualmente, ele se reporta diretamente ao diretor global de relações governamentais da empresa, que fica em Washington. 

“Na maioria dos casos, o responsável por Latam costuma ficar no Brasil, principalmente se tiver só uma pessoa. A escolha tem a ver com a proximidade cultural e geográfica, com a capacidade de falar a língua, ter uma comunicação mais frequente e mais clara e uma resposta mais assertiva e mais rápida a qualquer problema que surgir”, explica. 

Outro fator que pode ter influenciado essa regionalização de executivos é a restrição de movimentação ocasionada pela pandemia do coronavírus. Para João Marcio Souza, CEO da Talenses Executive - empresa especializada em recrutamento C-Level -, houve uma desconstrução da necessidade real do executivo estar presente na sede, mas é preciso aguardar para entender se os movimentos serão apenas temporários.

“A pandemia
promoveu um deslocamento geográfico total, então, o que acaba acontecendo é que o principal executivo que antes sentava na matriz, está na casa dele no Brasil ou no México, por exemplo. As pessoas voltaram para suas casas e continuam tocando os cargos. Mas eu vejo esse movimento mais ligado a um fenômeno temporário da pandemia do que a companhia realmente entendendo que vai ser melhor para o negócio colocar o executivo na América Latina”, pontua.

A oportunidade para o profissional brasileiro

Se do lado das empresas ter um cargo sênior na América Latina ajuda a enxugar custos e a se conectar culturalmente com a região - além de driblar os obstáculos impostos pela pandemia -, os especialistas acreditam que para os profissionais brasileiros pode ser uma oportunidade de alavancar a carreira

“Para o profissional, o ponto principal é a possibilidade de seguir crescendo dentro da sua própria corporação. Antes, havia uma movimentação muito grande entre empresas e consultorias. Existia um teto de vidro, um limite até onde você podia crescer. Quando as posições regionais vêm para o Brasil você tem a possibilidade de continuar crescendo para uma liderança que incorpora uma nova geografia”, pontua Suelma Rosa, presidente do IRelGov. 

Os especialistas explicam que, apesar de já haver brasileiros ocupando a função mais sênior dentro das companhias, eles nunca foram a maioria, sendo muito comum a presença de norte-americanos ou profissionais expatriados de outros países. 

“Eu já vi muitos cargos seniores da América Latina serem ocupados por americanos, chilenos, brasileiros e mexicanos. Não há uma regra, mas o idioma ajuda muito. Culturalmente falando é necessário um hispanohablante que se conecta com a região, porque existem regionalidades que não podem ser desconsideradas na América Latina. A escolha desse executivo tem que ser muito ampla. Se é alguém do Brasil, por exemplo, e vai cuidar de Latam, ele precisa também se conectar com o México, para além das barreiras culturais”, destaca João Marcio Souza, da Talenses. 

O diretor de relações governamentais do Zoom, Nicolas Andrade, reforça que as empresas têm contratado cada vez mais brasileiros para o segmento, pois têm reconhecido suas  capacidades profissionais e a qualidade da formação acadêmica no País. 

“Uma curiosidade que eu percebo no Brasil é que, no geral, o brasileiro fala e entende espanhol muito melhor do que as pessoas dos outros países da América Latina falam e entendem o português. E isso é importante, principalmente quando a empresa é menor e tem orçamento apenas para uma pessoa, ela precisa de alguém que consiga lidar bem com o cargo e que fale espanhol e português”, destaca.

Não há uma formação específica para os cargos de relações institucionais e governamentais, mas é comum que os profissionais sejam graduados em direito, comunicação, ciência política, relações internacionais, economia, administração e, em alguns casos, áreas técnicas, como Farmácia, Medicina e Engenharia. 

“No nosso caso (setor de tecnologia médica) são pessoas que acabam se formando dentro da indústria. E são raras de se encontrar, então acabamos contratando a peso de ouro, porque não há grande disponibilidade no mercado”,  aponta a diretora de Recursos Humanos Latam da Biotronik, Stela Amaral.

A área de RIG no Brasil

De acordo com o Anuário de Relações Institucionais e Governamentais - publicação que mapeia anualmente o setor - de 2020, a área vem crescendo nas empresas. Em 2019, 31,6% das companhias contavam com cinco ou mais profissionais na função. Em 2020, o número saltou para 41,09%. Entre os 420 líderes entrevistados, 41% afirmaram ter ampliado a equipe entre 2019 e 2020. Desses, 17,84% contrataram profissionais de nível gerencial ou superior, 12,21% o fizeram com nível médio e 9,39% recrutaram profissionais em estágio inicial da carreira.

“Nos últimos 15 anos, as empresas multinacionais brasileiras e estrangeiras já tinham criado posições nas áreas de assuntos corporativos, relações governamentais e institucionais. Nos últimos 5 anos, esse movimento se consolidou em empresas de grande porte nacional. E, no último ano, durante a pandemia, quando uma série de decretos federais, municipais e estaduais aconteceu, a necessidade desse profissional dentro da empresa se tornou mais evidente. Também pudemos observar um crescimento de novas vagas em empresas que não tinham essa posição”, explica Suelma.

Segundo o Anuário de Relações Institucionais e Governamentais, as grandes empresas seguem sendo as que mais possuem uma área destinada à função, com 72,95% das entrevistadas tendo faturamento anual acima de R$1 bilhão. As multinacionais são o perfil dominante entre elas e as empresas estrangeiras correspondem a dois terços das que possuem uma área de relações institucionais e governamentais estruturada. 

Em relação aos segmentos de mercado, o setor de saúde e o de bens de consumo não duráveis (incluindo alimentos e bebidas) encabeçam a lista das empresas em que a área se faz mais presente. A média de idade do profissional que conduz a área nas empresas, segundo o anuário, caiu de 44,8 anos em 2019 para 43 anos em 2020.



Fonte: ESTADÃO


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