Publicado por Redação em Notícias Gerais - 28/04/2014

A inflação não está fora de controle, diz Goldenstein




 Sérgio Goldenstein, gestor da Arsa Investimentos: "É prematura a interpretação de que a política monetária não estaria produzindo os efeitos desejados"
Ainda que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado em 12 meses, ameace romper o topo da meta de 6,50% no curto prazo, a inflação brasileira não está fora de controle. A economia atravessa um período de pressão inflacionária decorrente do choque de preços dos alimentos em função de mudanças climáticas, mas a partir de maio índices mensais de preços no atacado e varejo sofrerão significativo arrefecimento.
 
Isso não quer dizer, no entanto, que a inflação vai declinar ao centro da meta, de 4,5%, a toque de caixa. O comportamento da inflação brasileira, hoje, reflete uma combinação de políticas adotadas pelo governo - algumas mal resolvidas - e seus efeitos nos mercados e no comportamento dos agentes econômicos, diz o economista Sérgio Goldenstein, gestor da Arsa Investimentos e responsável pelo Departamento de Operações do Mercado Aberto do Banco Central (Demab) entre 2001 e 2005.
 
"Houve, ao longo dos últimos anos, uma combinação de depreciação cambial, políticas fiscal e parafiscal expansionistas, medidas de estímulo ao consumo, choques de oferta e uma política de reajuste de salário mínimo que podemos caracterizar como inflacionária", diz Goldenstein. "Esses fatores provocaram uma deterioração das expectativas de inflação, em linha com a elevada inflação corrente. Ao mesmo tempo, não houve avanços em termos de desindexação da economia e de resolução dos gargalos de oferta, como a infraestrutura deficiente. É prematura a interpretação de que a política monetária não estaria produzindo os efeitos desejados", avalia.
 
Ex-diretor de renda fixa e câmbio da BM&FBovespa, Goldenstein espera que o próximo governo melhore o mix da política econômica, empreendendo um sólido ajuste fiscal pelo lado das despesas, desacelerando os estímulos parafiscais, direcionando os gastos para investimentos em infraestrutura e promovendo uma maior abertura da economia. Com isso, segundo ele, haveria uma melhora das expectativas dos agentes econômicos, propiciando uma convergência mais rápida da inflação.
 
A seguir, os principais trechos da entrevista:
 
Valor: O IPCA subiu 0,92% e surpreendeu em março. Deve romper o teto da meta (6,5%) mais cedo do que o esperado. A inflação está fora de controle?
 
Sérgio Goldenstein: Não está fora de controle. A surpresa negativa recente decorreu basicamente de um choque de oferta, provocado por fatores climáticos, que ocasionou uma forte elevação dos preços de alimentos in natura. A partir de maio, deveremos observar um arrefecimento significativo dos indicadores mensais de inflação, tanto no atacado quanto no varejo. A inflação de grupos mais sensíveis à demanda, como vestuário e bens duráveis, está bem comportada. Cabe ressaltar que a taxa de juros já está em território contracionista e exercerá seus efeitos sobre a trajetória de inflação. Por outro lado, a inflação de serviços vem mostrando uma resistência acima do esperado. No período recente, o comportamento da taxa de desemprego tem refletido um declínio da População Economicamente Ativa (PEA) e não maior geração de empregos. Os números recentes de geração de postos de trabalho, tanto no Caged quanto na Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, sugerem arrefecimento do mercado de trabalho. Portanto, deveremos verificar alguma moderação da inflação de serviços. Olhando para frente, é necessário que seja revista a política de reajuste do salário mínimo e que haja avanços em termos de desindexação da economia.
 
"Olhando para frente, é necessário que seja revista a política de reajuste do salário mínimo"
 
Valor: O Relatório de Inflação do primeiro trimestre mostra que a inflação não volta ao centro da meta nem mesmo em 2016. Perseguir meta de inflação virou esporte radical no Brasil?
 
Goldenstein: O Relatório de Inflação apresenta projeções até o primeiro trimestre de 2016, quando a inflação estaria entre 5% e 5,5%. Acredito que a inflação irá convergir para o centro da meta ao longo de 2016. Em 2015, os preços livres vão desacelerar como consequência da perda de ímpeto da atividade doméstica, mas, dado o ajuste que terá de ser feito em alguns preços administrados, a inflação deverá ficar na casa de 5,5%. O Banco Central mostrou sua autonomia e a política monetária se tornou mais restritiva, mesmo em ano eleitoral.
 
Valor: De que forma é possível avaliar que a política monetária se tornou mais restritiva? A elevação do juro real, que chegou a menos de 2% e agora está em 5%, é uma medida?
 
Goldenstein: Sim, essa é uma das medidas. O juro real de curto prazo subiu para 5% e o de longo prazo foi para a casa de 6,5%. O juro real está acima da taxa neutra. Um estudo do Fundo Monetário Internacional de 2012, citado pelo diretor do Banco Central Luiz Awazu Pereira [diretor da área internacional e regulação] numa apresentação recente, aponta que a taxa neutra de juros estaria em torno de 5,1% naquele momento. Mas o país vinha de um crescimento de 7,5% em 2010 e de 2,7% em 2011, com a absorção doméstica crescendo bem acima do PIB potencial. A partir de 2012, passamos a ter taxas menores de crescimento, com o PIB crescendo abaixo do seu potencial, o que se reflete na abertura do hiato do produto e na queda da taxa neutra de juros.
 
Valor: Os parâmetros da meta brasileira de inflação, 4,5% mais banda de flutuação de dois pontos não está fora da nossa realidade? A inflação estrutural do país não é mais alta, dando sempre a impressão de que a política monetária não está funcionando?
 
Goldenstein: Em linha com o exposto por Tombini [Alexandre Tombini, presidente do BC] na audiência no Senado, acreditamos que o Brasil não está condenado a ter uma inflação acima do centro da meta. Houve, ao longo dos últimos anos, uma combinação de depreciação cambial (em boa parte decorrente de ações do governo), políticas fiscal e parafiscal expansionistas, medidas de estímulo ao consumo, choques de oferta e uma política de reajuste de salário mínimo que podemos caracterizar de inflacionária. Esses fatores provocaram uma deterioração das expectativas de inflação, em linha com a elevada inflação corrente. Ao mesmo tempo, não houve avanços em termos de desindexação da economia e de resolução dos gargalos de oferta, como a infraestrutura deficiente. É prematura a interpretação de que a política monetária não estaria funcionando. Houve nos últimos meses uma aceleração inflacionária, mas esta foi motivada, sobretudo, por um choque de oferta em alimentos, que já está sendo revertido.
 
Valor: O Banco Central e o Ministério da Fazenda vêm atribuindo a aceleração mais recente da inflação a um choque de preços dos alimentos. Mas com o indicador esticado no patamar de 6% ainda é possível acomodar choques?
 
Goldenstein: A taxa Selic já subiu bastante. Como o próprio Banco Central alertou, a política monetária tem efeitos defasados e cumulativos. Ao contrário de episódios anteriores, dessa vez a demanda doméstica está mais fraca, o que mitiga as pressões inflacionárias. Isso deve ficar mais evidente ao longo do ano, com o gradual enfraquecimento dos indicadores de mercado de trabalho e a expansão mais moderada do crédito ao consumo. Vale ressaltar que boa parte do choque de preços de alimentos deve ser revertida nos próximos meses. De forma geral, não houve quebras de safras, mas pressões temporárias sobre alimentos in natura devido à estiagem.
 
Valor: É um exagero considerar que a banda de flutuação do regime de metas foi engolida pela inflação corrente, uma vez que o BC não parece perseguir o centro da meta há muito tempo? Talvez em nenhum momento deste governo?
 
Goldenstein: O problema é que a política monetária não contou com a ajuda da política fiscal e ainda foi atrapalhada pela política de depreciação cambial e pela exagerada expansão de crédito por parte dos bancos públicos. A taxa Selic a 13%, por exemplo, é uma distorção maior do que um IPCA de 6% numa situação em que a demanda doméstica está fraca. As vendas no varejo em 2014 deverão apresentar o pior desempenho dos últimos dez anos. Promover um choque de juros agora, ou em 2015, seria contraproducente. Os custos fiscais e sociais seriam imensos e o resultado em termos de desinflação seria moderado. O foco tem que ser na desindexação da economia, na reversão da atual política de reajuste de salário mínimo, na resolução dos gargalos de oferta e na recuperação da credibilidade da política econômica. Resta agora esperar que o próximo governo, ao menos, melhore o mix da política econômica, empreendendo um sólido ajuste fiscal pelo lado das despesas, desacelerando os estímulos parafiscais, direcionando os gastos para investimentos em infraestrutura e promovendo uma maior abertura da economia. Com isso, haveria uma melhora das expectativas dos agentes econômicos, propiciando uma convergência mais rápida da inflação para o centro da meta.
 
"A política monetária não contou com a ajuda da política fiscal e ainda foi atrapalhada pela depreciação cambial"
 
Valor: O real mostra forte apreciação frente ao dólar, seja por razões externas ou domésticas. Até alguns meses atrás rechaçado pelo governo, preocupado com a balança comercial, o dólar bem mais fraco é um fator considerável para conter a inflação?
 
Goldenstein: Não concordo com a visão de forte apreciação do real. A nossa moeda apresentou forte depreciação desde 2011, sendo que boa parte foi impulsionada pelo governo, que taxou com IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] os ingressos de fluxos financeiros e as posições vendidas em câmbio nos mercados de derivativos, sem contar as inúmeras declarações de fontes oficiais defendendo um real mais depreciado. Aliás, é surpreendente que tenham subestimado o impacto inflacionário de uma depreciação nominal de cerca de 50%. A taxa de câmbio, que estava em R$ 1,60 em meados de 2011, passou para R$ 2,40 em janeiro deste ano. A preocupação principal não era com a balança comercial, mas em proteger certos setores da indústria. Numa economia fechada como a nossa, isso se traduz em ineficiência, desestímulo aos ganhos de produtividade e inflação. Neste ano, o real se apreciou um pouco, devido aos fluxos positivos para a renda fixa no país, ao desmonte de posições compradas em dólar por parte de investidores locais e às perspectivas de manutenção do cenário de elevada liquidez global. Então, não se trata de um real mais forte contendo a inflação, mas sim de o câmbio deixar de colocar lenha na fogueira da inflação como aconteceu nos últimos anos.
 
Valor: A manutenção pelo BC do programa de intervenções diárias no mercado cambial, mesmo com o Brasil acolhendo firme ingresso de capital estrangeiro, não impõe muito artificialismo na cotação da moeda? O BC tem em mercado quase US$ 100 bilhões em contratos de swap cambial, não foi longe demais?
 
Goldenstein: A pergunta também poderia ser se o BC não foi longe demais anteriormente na acumulação de reservas cambiais. É consenso que o acúmulo de reservas foi fundamental para a redução do risco Brasil, mas será que o benefício marginal após US$ 200 bilhões ou US$ 250 bilhões não era bastante decrescente? O que pouco se fala é do enorme custo fiscal em carregar um volume de US$ 380 bilhões em reservas. Como as compras de dólares são esterilizadas via operações de mercado aberto, para evitar uma expansão da base monetária, há um aumento correspondente na dívida bruta, com custo dado pela taxa Selic menos a rentabilidade das reservas, que estão aplicadas a taxas baixas no exterior. A política de oferta de swaps cambiais faz todo o sentido para o governo em termos de asset liability management, pois o Banco Central fica ativo em taxa Selic nos swaps. Temos então uma política que, ao mesmo tempo em que provê hedge ao mercado e reduz a volatilidade cambial, diminui o pesado custo fiscal de carregar reservas. Dado o estoque de swaps cambiais ante o volume de reservas internacionais e de dívida externa pública, há espaço para o BC continuar com a sua política. Porém, se, no fim de junho, o BC avaliar que a demanda por hedge cambial está reduzida, ele pode interromper o seu programa de oferta diária de swaps e passar a atuar de forma discricionária.
 
 
Fonte:Valor Online - São Paulo/SP - BRASIL


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