Publicado por Redação em Gestão de Saúde - 06/08/2025

Burnout no RH: o que está por trás – e como evitar

Dores no corpo, insônia e cansaço extremo. Sensação permanente de ansiedade, desesperança e solidão. Concentração prejudicada, absenteísmo e procrastinação, uso de álcool e outras drogas como forma de escapismo. O burnout se manifesta em dezenas de comportamentos, sintomas físicos e emocionais. Se você nunca experimentou uma combinação deles, vítima do estresse crônico, certamente conhece alguém que pode falar com propriedade sobre a síndrome.

É que o burnout virou uma epidemia. Em 2019 tivemos 178 afastamentos devido ao problema, segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em 2023, esse número saltou para 421. Houve um aumento de 136% em quatro anos, e de quase 1.000% em uma década. Achou muita coisa? Nem todos os casos são contabilizados, apenas os afastamentos de mais de 15 dias.

Claro: o conhecimento da população sobre o burnout aumentou desde a pandemia, e isso contribui para o crescimento de diagnósticos. Mas especialistas argumentam que outra explicação importante é a pressão e a cobrança crescentes no ambiente de trabalho – o que muito se observa no setor de RH. É um problema que vem da “ampliação desmedida do escopo da área, sem o devido investimento em estrutura, suporte emocional e autonomia”, segundo Isadora Gabriel, psicóloga e CHRO da Flash.

Uma pesquisa da companhia ouviu 924 pessoas em 2024 e mostrou que oito em cada dez profissionais de recursos humanos se sentem sobrecarregados. Para mais da metade dos entrevistados (55%), a sobrecarga se traduz em jornadas de trabalho que ultrapassam as oito horas tradicionais. E 65% dos profissionais relatam que enfrentaram desafios de saúde mental no último ano – como ansiedade, falta de motivação e o próprio burnout.

Não são resultados isolados. O Censo do RH, por exemplo, estudo realizado pela Walljobs, identificou no fim de 2024 que o excesso de trabalho era o maior desafio do segmento para este ano, segundo um terço dos profissionais. Seria uma preocupação ainda maior do que a falta de estrutura nas empresas, o apoio insuficiente das lideranças e a retenção de talentos.

Já uma pesquisa conduzida pela plataforma de RH Personio, que ouviu 500 profissionais de RH no Reino Unido, mostrou que mais da metade (52%) sofreu com o burnout em algum momento dos últimos cinco anos. Quatro em cada dez profissionais acreditam que têm uma carga excessiva de trabalho, e mais de um terço considera sair do setor no próximo ano. Outro levantamento da mesma empresa, realizado com mais de 250 lideranças de RH, mostrou que 43% identificam o burnout como um problema em seus departamentos.

Empresas preocupadas com a longevidade do negócio devem olhar para a saúde mental de todas as suas áreas, claro. Mas os especialistas entrevistados pela Você RH alertam: garantir o bem-estar do setor que dá nome a esta revista é uma tarefa especialmente crítica, porque um RH adoecido pode comprometer a qualidade da gestão de pessoas como um todo.

Vamos, então, aos caminhos para mitigar a evolução da síndrome no segmento – mas, antes, avaliemos as causas do burnout, que vão muito além do excesso de trabalho.

Mais do que cansaço

“Burnout é uma síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso.” Essa é a definição do problema na 11ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da OMS. Trocando em miúdos, isso significa que o burnout não é uma doença: é um conjunto de sintomas. É um quadro de estresse permanente, e um fenômeno exclusivamente relacionado ao trabalho.

E não é só cansaço. O burnout é caracterizado por três dimensões: a exaustão mental e/ou física; o sentimento de indiferença, desprezo e até ódio pelo trabalho; e a redução da eficácia e da produtividade.

Segundo Christina Maslach, psicóloga e professora da Universidade da Califórnia e maior autoridade no assunto, existem seis fatores de risco para o desenvolvimento do burnout.

O primeiro, e mais conhecido, é a jornada exaustiva. O segundo fator é a falta de conexão com o ambiente de trabalho. O escritório é um marasmo, e os colegas não se interessam por criar e manter boas relações? Mau sinal: esse é um ambiente propício para o esgotamento. A situação é ainda pior, claro, quando as interações são negativas, em vez de nem sequer existirem – aí entram os casos de assédio, por exemplo.

O próximo fator de risco é a falta de reconhecimento. Isso pode se manifestar de formas diversas: num salário insuficiente, por exemplo, ou na insistência dos gestores em não demonstrar qualquer apreço pelos feitos de seus subordinados.

“Ignorar o trabalho de alguém tem quase o mesmo efeito [psicológico] sobre o indivíduo que destruí-lo”, argumenta Saulo Velasco, psicólogo e chefe de aprendizagem na The School of Life, baseando-se em experimentos de Dan Ariely, professor de psicologia e economia comportamental na Universidade Duke (EUA). “Ou seja, a falta de reconhecimento no trabalho impacta a motivação e a produtividade das pessoas quase da mesma forma que o desprezo real.”

O quarto fator de risco para o desenvolvimento do burnout, segundo Christina, é o senso de injustiça. Esse sentimento pode surgir em um ambiente no qual, por exemplo, seus colegas enfrentam retaliações; gestores com práticas antiéticas jamais são punidos pela empresa; ou profissionais relapsos recebem mais louros em comparação com aqueles dignos de reconhecimento.

O quinto fator é a falta de controle sobre o próprio trabalho. Profissionais que precisam acatar ordens o tempo todo lidam com o microgerenciamento e não têm chance de participar das discussões que afetam diretamente o cotidiano de trabalho. Não têm autonomia, enfim – e são mais propensos a pane.

O último fator é a incompatibilidade de valores entre o profissional e sua empresa. Talvez ele exerça tarefas que não têm a ver com suas verdadeiras ambições; talvez desaprove a atuação de sua companhia porque ela mantém práticas antiéticas. Seja como for, a ideia de vestir a camisa da firma lhe dá calafrios. E essa repulsa o deixa mais próximo do esgotamento.

Por que é um problema no RH

O setor de recursos humanos pode ser especialmente vulnerável ao esgotamento mental devido a algumas questões. A primeira é a própria natureza de sua atuação. “Essas pessoas lidam o tempo inteiro com expectativas, frustrações, conflitos e desafios dos outros dentro da organização”, afirma Saulo. Desligamentos, dilemas éticos e casos de assédio são questões obviamente desgastantes, mas mesmo a ansiedade relacionada a admissões e promoções pode ser exaustiva. “Há uma carga emocional muito grande. E, embora seja um trabalho importante, muitas vezes ele é invisibilizado.”

Outro ponto é a transformação pela qual o RH passou nos últimos anos. É unanimidade: a área está se tornando cada vez mais estratégica para os negócios. Temas como cultura, engajamento, performance, diversidade e saúde mental são encarados como responsabilidade do setor, que geralmente não ganha gente, orçamento e reconhecimento na mesma proporção que recebe atribuições, segundo observam os especialistas ouvidos pela Você RH. A receita perfeita para o esgotamento.

Além do excesso de demandas, a incoerência entre as iniciativas do segmento e a realidade da organização também pode causar danos psicológicos. “Há empresas que têm ferramentas para o bem-estar e desenvolvimento de seus colaboradores, por exemplo, mas não colocam em prática”, afirma Ricardo Guerra, CEO do Wellhub no Brasil. “Geralmente, quem vende o discurso é o RH, mas quem coloca em prática são as lideranças. Se o RH precisa lidar com gestores que não estão alinhados às políticas da empresa, essas pessoas enfrentam um nível maior de estresse.”

André Fusco, médico psicanalista e consultor de saúde mental, defende que conflitos éticos também são comuns no setor, assim como o sentimento de impotência. “Por exemplo, sistemas de avaliação de desempenho baseados em rankings e competições podem estimular comparações nocivas entre colegas, impactando negativamente o clima organizacional e as relações interpessoais”, afirma o especialista. “Ao perceber as injustiças desse sistema, assim como o sofrimento que ele pode gerar nas pessoas, o profissional de RH muitas vezes se sente culpado e impotente, porque não tem alçada para alterar as regras.”

Esse imbróglio ainda está relacionado à falta de controle das pessoas sobre o próprio trabalho: somente 31% dos executivos de RH acreditam que têm autonomia elevada para tomar decisões, por exemplo, segundo um estudo da Great People Consulting. Como já mencionado, tanto o senso de injustiça quanto a falta de autonomia são fatores de risco importantes para o desenvolvimento do burnout.

Para Isadora Gabriel, a origem da exaustão ainda está na falta de apoio institucional – segundo uma pesquisa da própria Flash, 60% dos RHs afirmam que não têm benefícios voltados à saúde mental – e na desigualdade de gênero. “Quando observamos que 80% dos profissionais de RH são mulheres, precisamos compreender que não estamos apenas falando de uma estatística de gênero, mas de um retrato estrutural de como o trabalho de cuidado – historicamente realizado por mulheres – se expressa nas organizações.”

“Essas mulheres acumulam múltiplas jornadas: são responsáveis pelo cuidado doméstico e familiar (ainda desigual), pelo cuidado relacional no ambiente profissional e, muitas vezes, pelo cuidado institucional da cultura das empresas”, argumenta Isadora. “Isso forma o que chamamos de ‘tríplice carga mental’, uma sobreposição de demandas invisíveis, emocionais e pouco reconhecidas.”

O que fazer para mudar

“Muitas vezes, o foco das empresas permanece apenas no tratamento individual das pessoas que adoecem, sem considerar as causas organizacionais que contribuem para esse adoecimento”, afirma André. Adotar essa postura, porém, é como enxugar gelo. Ainda que o trabalho do RH tenha uma carga emocional maior, e esse seja um fator de risco permanente, há todas as questões estruturais mencionadas anteriormente. Identificar os aspectos mentais e subjetivos que impactam o cotidiano de trabalho pode revelar, por exemplo, que o RH sofre com aquele desalinhamento entre discurso e prática – aí as lideranças precisam entrar em cena para consertá-lo.

Mônica Ramos, psicóloga e consultora com mais de 20 anos de experiência, afirma que já acompanhou empresas que conseguiram reverter um cenário de adoecimento mental na área (é possível!). “O ponto decisivo foi reconhecer o setor como estratégico e cuidar da saúde emocional dos seus profissionais”, ela afirma. “Isso envolveu ações como redução de demandas desnecessárias, oferta de apoio psicológico, divisão mais equilibrada de tarefas e inclusão do RH em decisões-chave da empresa.”

Os especialistas da The School of Life, como Saulo, têm defendido a implementação de “EPIs psicológicos”, que poderiam aumentar o bem-estar de todos nas organizações, assim como o do RH. Isso significa criar um ambiente de trabalho saudável e seguro – adotando a comunicação não violenta; incentivando o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal; ajustando a carga de trabalho e expectativas sobre os funcionários, por exemplo; incentivando a colaboração e a criação de redes de apoio dentro da organização; e oferecendo suporte psicológico aos funcionários, como já mencionado. [Veja outras medidas abaixo.]

Não existe um antídoto único para esse veneno, porque cada contexto de trabalho pode ser prejudicial à sua maneira. Mas é certo que os conselhos executivos e a alta administração precisam, mais do que nunca, olhar para quem cuida de seus colaboradores. “Porque empresas que não cuidam de seu RH comprometem o futuro do próprio negócio”, afirma Isadora. “O RH é o termômetro emocional das organizações – e ignorar isso é adoecer silenciosamente toda a estrutura.” Afinal, valorizar quem sustenta o bem-estar coletivo não é só urgente – é o primeiro passo para transformar culturas, resgatar propósitos e construir ambientes mais humanos.

5 MEDIDAS PARA PROTEGER O RH 

Para Isadora Gabriel, psicóloga e CHRO da Flash, diminuir a sobrecarga do setor exige uma abordagem sistêmica, que vá além do discurso sobre reconhecer os profissionais. Também demanda o envolvimento de toda a empresa, assim como o patrocínio direto da alta liderança. Veja as dicas da especialista:

1. Revisar estrutura e dimensão das equipes

É fundamental adequar o número de profissionais à complexidade e ao porte do negócio.

2. Investir em tecnologia

Eliminar tarefas redundantes libera tempo para o trabalho estratégico – e para o descanso.

3. Dar apoio emocional

Ofereça programas de saúde mental, mentorias internas e espaços seguros para os funcionários demonstrarem vulnerabilidade.

4. Dividir o trabalho

Desenvolva lideranças preocupadas com o bem-estar das equipes para que essa responsabilidade não recaia somente sobre o RH.

5. Utilizar indicadores de saúde mental

Faça isso de forma contínua, com escuta ativa, devolutivas práticas e intervenções preventivas.

Fonte: VocêRH


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