Publicado por Redação em Gestão do RH - 31/03/2022

Iniciativas garantem acesso e permanência de pessoas trans no mercado de trabalho



Atual coordenadora de DE&I (Diversity, Equity & Inclusion) da Pismo, fintech multinacional com sede no Brasil, Victoria Napolitano é um exemplo do espaço que vem sendo, aos poucos, conquistado pelas pessoas trans no mercado de trabalho.

Ela foi uma das primeiras integrantes do treinamento Women Will do Google, especial para mulheres trans, que teve foco em  incentivar o potencial econômico de mulheres por meio das habilidades digitais como conhecimentos em marketing e empreendedorismo digital. Depois do programa, Victoria encontrou oportunidade em outra fintech, a Sumup, como assistente operacional. O treinamento foi divulgado na plataforma Transempregos, onde Victoria encontrou a oportunidade. 

A Transempregos também esteve presente na criação do primeiro processo seletivo exclusivo para pessoas trans do Brasil. As inscrições para trainee da rede varejista fluminense Casa&Vídeo vão até 31 de março e já contam com mais de 2 mil candidatos inscritos. O programa oferece capacitação em várias áreas de atuação dentro das lojas, até chegar ao cargo de subgerente. 

A parceria já era antiga. A rede promoveu a iniciativa com a intenção de possibilitar caminhos para que pessoas trans cheguem em posições de liderança. “Estamos sempre atentos às dores que são trazidas. Como um dos benefícios do programa, por exemplo, oferecemos auxílio jurídico para a mudança de nome. Todos os nossos funcionários trans também contam com um auxílio farmácia para a terapia hormonal”, diz Márcia Lassance, head de gente e gestão da Casa&Video. 

O programa terá duração de dois anos e o trainee vai passar seis meses em cada posição de loja: operador, promotor de cartão, promotor connect e promotor omnichannel, para ao final se tornar um subgerente. São dez vagas para lojas do estado do Rio de Janeiro. Não é necessário ter experiência para participar, apenas ensino médio completo.

No passado, Victoria desistiu do ensino médio por conta do bullying e do assédio que sofria. Não quis mais voltar para a escola até completar 18 anos. No supletivo, teve a oportunidade de fazer um intercâmbio e foi para Dublin. Lá, teve a primeira grande experiência profissional ao trabalhar no Centro de Convenções de Dublin como assistente de eventos.

Apesar de se considerar privilegiada, ela teve medo ao voltar para o Brasil. “Em alguns processos de multinacionais muito grandes me perguntaram se eu tinha feito cirurgia ou se minha família me aceitava, questões que não refletem em meu trabalho”, diz. 

Hoje, Victoria trabalha para que a equidade seja um compromisso diário na Pismo. O que move o ponteiro para que a mudança ocorra é levar conscientização aos colaboradores, o que realmente vai fazer com que juízos de valor inconscientes sejam quebrados. “Como podemos criar um ambiente em que conseguimos prosperar? Não é só trazer as pessoas, porque diversidade é atrito, são ideias diferentes, são personalidades, backgrounds diferentes”, diz. O efeito do viés inconsciente é justamente impedir a promoção e o crescimento das pessoas que representam uma quebra de paradigma, como as pessoas trans. A conscientização é a chave para a equidade neste ponto.

Victoria também é uma das mentoras do Educa Transforma, um ecossistema de apoio e formação de pessoas trans em tecnologia. Os mentores são todos voluntários e atuam não só na educação mas também no acompanhamento dentro das empresas. Mais que capacitar, o objetivo é criar ambientes psicologicamente seguros para os alunos mesmo depois da contratação com diversos recursos: workshops, mentorias com as lideranças, criação de cartilhas e eventos.

O projeto foi criado por Noah Scheffel, homem trans que ingressou no mercado de tecnologia antes de se entender como pessoa trans. Ele acredita ter chegado a um cargo de coordenação na época justamente por ter entrado antes de perceber sua essência. Apesar de já se preocupar em formar uma equipe diversa, Noah passou a sofrer violências e agressões psicológicas no ambiente que pensou que seria um lugar seguro: o trabalho. “Passei por todas as questões de exclusão, como não poder ir ao banheiro. Ainda não estávamos em home office, não era época da pandemia. Então eu nem sequer tomava um gole de água durante o dia para não correr o risco de ir ao banheiro e ser a única pessoa trans lá dentro”, diz.

Naquele momento, Noah trabalhava em um projeto de pós-graduação em serviço social que abordava a falta de empregabilidade de pessoas trans. Com o sofrimento que passou, ele teve uma ideação suicida, foi socorrido por uma amiga também trans e passou por uma internação psiquiátrica. A dor foi transformada em ação para mudar a vida dos que viriam depois dele. 

O Educa Transforma deu os primeiros passos em 2019 com a primeira turma. Além das trilhas de formação em tecnologia e marketing digital, o Educa Transforma fornece apoio psicológico e material aos alunos, conforme suas necessidades, com acesso a médicos, fornecimento de equipamentos e até mesmo auxílio à moradia. “Nos preocupamos não apenas em prestar essa qualificação de ensino técnico, mas em ser uma rede de ensino de habilidades relacionais. Prestamos todo o apoio necessário para que as pessoas consigam ter a disponibilidade emocional de conseguir concluir”, diz Noah.

Plataforma Transempregos
O treinamento especial para mulheres transgênero do Google foi encontrado por Victoria na plataforma Transempregos, que, além de ser pioneira no Brasil em estabelecer uma ponte entre pessoas trans e empresas, participou da concepção do primeiro processo seletivo do Brasil exclusivo para trans. Fundada por Márcia Rocha, Maitê Schneider e Laerte Coutinho em 2013, a Transempregos é a única plataforma do Brasil exclusiva para pessoas trans. São mais de 1,6 mil empresas parceiras, entre elas nomes como Google, Uber, Sodexo, Grupo Pão de Açúcar e Carrefour. 

Processos seletivos exclusivamente afirmativos como o da Casa&Video são importantes para incentivar mais ações. Mais que isso, trazem à tona um compromisso da organização com a diversidade. “Muitas vezes, o candidato trans é o mais apto para vaga e apresenta tanto soft skills quanto hard skills necessárias para aquela posição, mas um telefonema ou um e-mail com uma devolutiva nunca chegam, simplesmente por conta da identidade”, diz Márcia Rocha, advogada e idealizadora da Transempregos.

As ações afirmativas não são um ponto de chegada, mas um caminho que se abre para que as oportunidades aconteçam. “É um caminho que a empresa decide, assim como decide ser sustentável, por exemplo. O dia a dia, as métricas da empresa, tudo deve estar atrelado a essa mudança constante”, diz Maitê Schneider, co-fundadora do projeto e militante dos Direitos Humanos desde os anos 1990.

No primeiro levantamento feito pela plataforma (em 2016), 40% dos currículos registrados indicavam grau de instrução no nível superior, de mestrado ou doutorado. Dos 60% restantes, 33% tinham segundo grau ou técnico. Um outro levantamento feito em 2021 indicou que 38% dos candidatos possuíam mestrado ou doutorado. Esses são alguns dos dados que exemplificam os vieses inconscientes por parte de recrutadores enfrentados pelas pessoas trans no mercado de trabalho.

Para que a mudança realmente aconteça, a preocupação deve ir além de apenas oferecer a vaga. Dar condições para a permanência e investir na capacitação fazem a diferença. 

A Transempregos também oferece materiais para que candidatos e empresas saibam o que esperar uns dos outros. A cartilha “Agora vai” reúne um conteúdo feito pela plataforma em um projeto promovido dentro do programa Google for Startups. Você pode encontrar a versão para candidatos aqui e a versão para o RH aqui.



Fonte: Forbes


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