Publicado por Redação em Notícias Gerais - 14/05/2014

O outro lado da moeda: lugares no Brasil e no mundo que criaram o próprio dinheiro

A história da economia é marcada principalmente pela evolução das moedas e das formas de pagamento. Do escambo às ligas metálicas e dos ourives à criação dos primeiros bancos, são muitas transformações mas todas as etapas perpassam uma questão essencial e estratégica: a confiança de quem paga e daquele que recebe. É a força dessa relação que, na economia moderna, determinará a credibilidade de quem emite e, consequentemente, do Estado. A moeda é fiduciária. Para utilizar, as pessoas precisam acreditar que aquele crédito tem valor, afirma o economista André Perfeito, da Gradual Investimentos. É com base nesse preceito básico que moedas locais circulantes em paralelo às oficiais têm estimulado economias de pequenas e médias cidades pelo mundo, fortalecido laços comunitários e se tornado uma opção à momentos de crise econômica.
 
Há exemplos como o da cidade inglesa que estabeleceu uma moeda para a comunidade trocar bens e serviços, e de várias comunidades brasileiras que vislumbraram na moeda local uma alternativa para a falta de bancos em suas proximidades. Todas possuem o mesmo valor que a nacional para não afetar o sistema central, a relação precisa ser 1 para 1, explicam os economistas.
 
Entre as principais vantagens para a criação de uma moeda própria, estão o incentivo ao comércio local de bens a serviços e a valorização social e cultural da comunidade, aponta Marco Antonio Cavalcante, professor do Departamento de Economia da PUC-RJ. As pessoas comprometem-se com aquela forma de pagamento, compram de fornecedores locais e, no fundo, utilizar a moeda é uma demonstração de apreço e valorização da comunidade, diz.
 
Para os economistas, dificilmente as moedas locais irão gerar distorções no sistema financeiro nacional.  O uso é restrito. Essas moedas não serão aceitas em contratos de crédito a longo prazo, apenas como forma pontual de pagamento ou troca de bens e serviços, afirma Perfeito.  Estudo do banco central inglês (Bank of England), em 2013,analisou a atuação da Bristol Pounds, moeda criada em 2012 pela comunidade de Bristol.  Segundo o banco, o total de Bristol Pounds circulantes era equivalente a 250 mil unidades (ou libras esterlinas) o que mostrou-se irrisório na comparação com a circulação da moeda nacional: mais de 54,2 bilhões de libras esterlinas. "Uma moeda local só poderia afetar o sistema nacional financeiro se estivesse muito difundida - o que poderia gerar um descrédito da moeda oficial. No geral, a magnitude é muito pequena para que esses riscos de estabilidade econômica sejam considerados importantes, afirma Cavalcante.
 


Brasil e a economia solidária


Segundo Cavalcante, o desenvolvimento de sistemas locais no Brasil têm dois objetivos centrais. Um é prover crédito para a pessoa que não tem acesso a bancos, a juros muito baixos e com menos entraves burocráticos. Ela ganha um microcrédito para gastar na comunidade. "Faz sentido em lugares carentes, onde as pessoas têm dificiculdade de acesso a bens e a economia não é estimulada", afirma. Em segundo lugar, há a questão de transferência de renda.

Atualmente, há 103 bancos comunitários ativos no Brasil, ou 103 moedas locais circulando em paralelo ao real. Quem contabiliza (desde 2005) e incentiva a prática, através de editais que ajudam a estabelecer novas entidades, é a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes-MT), órgão ligado ao Ministério do Trabalho. "Não é necessária a certificação do Banco Central porque os bancos comunitários não são um agente financeiro. São associações, que não visam lucro, e querem apenas estimular a economia local", afirma Haroldo Mendonça, coordenador de finanças da Senaes.
 
A circulação da moeda local segue na prática três princípios: os comerciantes aceitam utilizá-la se quiserem, há o lastro em real (o que permite que comerciantes façam câmbio com a moeda oficial) e a circulação está restrita a um território específico. Grande parte dos bancos comunitários brasileiros possui parcerias com a Caixa Econômica Federal para pagar o Bolsa Família, por exemplo. Segundo Haroldo, a grande maioria das moedas criadas traz a identidade local estampada já no nome. "O processo de criação é algo pedagógico que envolve a valorização da geografia local. Não é uma questão de marketing, é uma questão de fazer sentido para aquela comunidade".
 


Abaixo, contamos alguns casos de comunidades do Brasil e no mundo que acreditaram nessa ideia:
 
Palmeiras, bairro de Fortaleza (Ceará)
Moeda: Palmas
O primeiro banco comunitário criado no Brasil foi o Banco Palmas em 1998 com o objetivo de oferecer uma nova modelagem de instituição bancária. A sua instalação possibilitou levar microcrédito e serviços financeiros ao conjunto habitacional de Palmeiras, em Fortaleza, que, em 2007, virou bairro. Hoje, conta com mais de 47 mil moradores. Um "palmas" vale R$ 1 e só pode ser aceita dentro do bairro - 247 estabelecimentos aceitam transações com a moeda social.  
 
Em 2006, o Banco Palmas associou-se ao Banco do Brasil e passou a atuar como correspondente bancário - possibilitando a aberturas de contas, transferências e poupança. Em 2010, conectou-se à Caixa Econômica Federal e os moradores puderam receber crédito do Bolsa Família em "palmas". Atualmente, o Banco abre 200 contas por mês e repassa benefícios do programa federal para mais de 2000 famílias. De acordo com o coordenador de crédito do banco, Asier Ansorena, 12 mil pessoas foram atendidas em 2013 e 2000 receberam crédito produtivo.  

O sucesso gerou a criação do Instituto Palmas, entidade que presta consultoria a várias outras do país e repassa a metologia de implantação de um sistema local. O Banco Palmas é case de destaque no Brasil e no exterior e na Copa das Confederações promoveu debates, apresentações artísticas e visitas de turistas à comunidade - o que será replicado durante a Copa do Mundo.
 


Banco Tupinambá (Brasil)
Moeda: Moqueio
Parte significativa dos 7000 mil habitantes da comunidade Baía do Sol, na Ilha do Mosqueiro, em Belém do Pará, utiliza hoje o moqueio seja para comprar gás, obter crédito ou pagar a luz. É um papel moeda normal com marca de segurança e lastro que circula internamente para promover o desenvolvimento, afirma Maria Ivoneide do Vale, coordenadora do Instituto Tupibambá. Segundo Maria, há um comitê local que avalia a liberação de microcrédito e a moeda funciona como uma espécie de cheque. O usuário utiliza o moqueio e o banco faz a troca com o comerciante (em reais). Para incentivar o uso, comerciantes oferecem desconto a produtos pagos com moqueio. Antes do banco, 2% da população comprava no bairro o restante era fora. Hoje, o dinheiro fica aqui cerca de 83%. Temos até três panificadoras e frigoríficos, conta. A difusão do uso moeda foi motivada por prêmios recebidos de empresas. Antes não conseguíamos ganhar a confiança. Com o prêmio, conseguimos criar um fundo para emprestar crédito e ganhar credibilidade.
 


Banco dos Cocais (Brasil)
Moeda: Cocal
Inaugurado em dezembro de 2007, em São João do Arraial, o Banco dos Cocais é o primeiro banco comunitário do Piauí. Foi aberto com o objetivo de fortalecer a economia local movimentada principalmente pelo extrativismo de babaçu , levando acesso financeiro à pessoas de baixa renda. Antes da criação do banco, os moradores precisavam viajar 30 quilômetros até Esperantina para ir a uma agência bancária. O diferencial de fato de uma moeda própria é o fortalecimento da comunidade, com maior fluxo de compra, estímulo ao artesanato, pequenas lanchonetes e comércio. A moeda se socializou e as pessoas entenderam que quanto mais você investe no comércio local, mais você contribui para o desenvolvimento do município, afirma Mauro Rodrigues, diretor do Banco dos Cocais.
 
Segundo Rodrigues, cerca de 500 estabelecimentos aceitam transações em cocais praticamente o número total da cidade. Uma lei da prefeitura permite o pagamento de até 30% do salário de servidores em cocais. Os moradores podem pagar contas de gás e luz em valor parcial ou total na moeda social. Há uma valorização da cidade também. Hoje, você pergunta onde fica São João do Arraial e muita gente sabe por conta do banco, conta Rodrigues.
 


Bristol Credit Union (Inglaterra)
Moeda: Bristol Pounds
Pessoas não vão ao shopping apenas para comprar. Vão ao shopping para encontrar-se. Com a moeda local, há interações maiores entre as pessoas nas ruas e a vida em comunidade fica mais intensa, afirmou o empreendedor Chris Sunderland em um vídeo promocional da Bristol Pounds. Em 2012, ele liderou o lançamento de notas de dinheiro específicas que só poderiam ser trocadas na área metropolitana da cidade de Bristol. O objetivo deles não era concorrer com a libra esterlina, mas criar uma economia local mais feliz e conectada. A Bristol Pound hoje é uma empresa sem fins lucrativos que controla o Bristol Credit Union onde as pessoas podem abrir contas e fazer transações financeiras. 1 Bristol Pounds vale 1 libra esterlina e pode ser utilizado em centros comerciais e empresas de serviços cadastrados.
 
Para utilizar a moeda e realizar transações com o celular é preciso ser um membro da Bristol Pound a pré-condição é morar, trabalhar ou estudar na região (que engloba , Bath & North East Somerset, North Somerset and South Gloucestershire). Segundo o site da empresa, trocar libras esterlinas por bristol pounds e vice-versa é gratuito. A empresa também afirma que as transações são seguras porque para cada moeda local que circula em Bristol há uma libra esterlina depositada no banco. O lema dos defensores da moeda local é Comunidades fortes geram negócios fortes".
 

Calgary (Alberta, Canadá)
Moeda: Calgary Dollars
Em Alberta, a circulação da Calgary Dollars desde 1995 é fruto de uma tentativa de moradores para apoiar e fortalecer os negócios locais. O dinheiro circula com notas $1, $5, $10, $25, $50 onde 1 Calgary Dollar vale 1 dólar. De acordo com o site oficial da moeda, há US$ 80.000 Calgary Dollars circulando na cidade para transações de compra e venda de mais de 1000 bens e serviços. Para conseguir as primeiras notas, é preciso fazer um cadastro no site oficial da moeda. Quando o registro for completado, o interessado irá receber US$ 20 Calgary Dollars para gastar. Para tornar-se um participante ativo e conseguir mais dinheiro é preciso vender um produto ou serviço (a ser realizado na cidade) no Calgary Dollars Market uma lista que reúne pessoas e estabelecimentos que utilizam a moeda local.

Filadélfia (Pensilvânia,Estados Unidos)
Moeda: Equal Dollars Community
Fundado pelo Resources for Human Development in 1995, a Equal Dollars Community Currency tem por objetivo empoderar e enriquece a comunidade local dando valor a ativos não utilizados ou subvalorizados nos Estados Unidos. É um sistema monetário de escambo: quem fizer parte da comunidade pode oferecer bens e serviços em troca de Equal Dollars que vem em notas de 1, 5, 10 e 20. Uma feira de alimentos é organizada toda semana para estimular a troca da moeda em descontos ou mantimentos.   O dólar americano é bom, mas nós sentimos falta de algo que faça as pessoas trabalharem umas pelas outras e todas pela comunidade, que estimule a troca de bens ou serviços entre as pessoas da comunidade em uma grande economia isso é mais complicado, afirmou Bob FIshman, presidente da RHD em entrevista à CNN.
 
Fonte: Época Negócios


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