Publicado por Redação em Gestão de Saúde - 17/03/2022

Saúde mental das mulheres: o que as empresas podem fazer?



A o longo dos últimos dois anos, a rotina das pessoas mudou muitas vezes por conta do impacto da pandemia nas nossas vidas. E quando falamos das mulheres, o que vimos inicialmente foi uma dissolução das estruturas e redes de apoio. O fechamento das escolas, o distanciamento social e o acúmulo de funções trouxeram a percepção de uma vida colapsada. Casa, trabalho, família e carreira se misturaram, não de forma ordenada, mas sim caótica. Não coincidentemente, houve também uma piora significativa da saúde mental dessas mulheres, com um aumento nos casos de depressão, ansiedade e estresse, incluindo Burnout.

Esse cenário trouxe relevância para o tema, deixando claro o impacto social desproporcional da pandemia no que tange, inclusive, os aspectos de gênero. Durante o período, não só as mulheres foram mais impactadas pela pandemia, mas alguns subgrupos foram considerados ainda mais vulneráveis para o desenvolvimento de problemas ligados à saúde mental, sendo eles as mães de crianças de até 12 anos, executivas seniores e as mulheres negras.

Atualmente, considera-se que as mulheres sejam até duas vezes mais propensas a sofrer de depressão e ansiedade do que os homens, sendo que esses diagnósticos são ainda mais comuns entre aquelas que atuam também no mercado de trabalho. A piora na saúde mental das mulheres não é algo isolado, nem denota necessariamente algum tipo de fragilidade feminina, mas sim, a consequência direta de um quadro de sobrecarga que na maioria das vezes reúne aspectos físicos e emocionais.

As mulheres são as que sofrem maiores impactos sociais e vivem jornadas múltiplas, pois, além de serem as responsáveis pelas atividades de cuidado (seja da casa, dos filhos ou outros entes queridos), também acumulam suas jornadas profissionais e/ou de estudo. Como consequência, o aumento nos níveis de estresse associados a essa sobrecarga vão favorecer o surgimento de diversas doenças e a piora de seu prognóstico.

A gravidade deste contexto e a maior abertura para falarmos sobre saúde mental trouxe o questionamento a respeito de como as organizações podem rever suas práticas de trabalho e, com isso, desenvolver estratégias específicas para promover maior saúde e bem-estar para suas colaboradoras.

Através do olhar da neurociência comportamental, gostaríamos de contribuir para a discussão com algumas reflexões a respeito do que poderia ser feito pelas empresas e suas lideranças para reduzir o estresse e a sobrecarga dessas mulheres em suas rotinas, proporcionando mais qualidade laboral.

Te convido então a considerar algumas iniciativas que as empresas podem adotar e que irão contribuir diretamente para a melhora da saúde mental das mulheres e para mudar o status quo:

Empatize

Antes de replicar visões que podem ser estereotipadas sobre as mulheres e “assumir” o que elas precisam para terem mais saúde, performance, satisfação etc, que tal parar e ouvi-las com atenção?

Faça perguntas como: “Como é a rotina dessa mulher? Quais são seus principais desafios e ambições? Como ela se sente em relação a isso? O que ela busca?” E o questionamento chave: “Como você pode ajudá-la nesta caminhada?” Seja ouvindo, promovendo networking, criando novas oportunidades ou contribuindo para a busca de soluções. Há sempre uma forma de ajudar quem trabalha conosco todos os dias! Lembre-se da regra de ouro da empatia: O que vale é aquilo que a pessoa fala e expressa. O nosso papel principal é reconhecer suas emoções e percepções como válidas e autênticas.

Nesse sentido, treinar as lideranças da empresa em habilidades de comunicação, empatia e segurança psicológica são recursos fundamentais. Eles irão ajudar as organizações a criarem o ambiente adequado para que o diálogo ocorra de forma franca e saudável.

Falar de emoções e saúde mental ainda pode ser percebido como um tabu na nossa cultura e, por isso, faz-se necessário um papel ativo das empresas. Para as mulheres, é ainda mais difícil que esses assuntos surjam espontaneamente, pois o estereótipo da fragilidade feminina pode vir a ser reforçado e, por ser estigmatizado, promove o questionamento da sua capacidade profissional. Um artigo da HBR descreve que as mulheres são 25% mais propensas do que os homens a sentirem-se desconfortáveis ao compartilhar questões sensíveis ou desafios da vida profissional com os colegas de trabalho. Por isso, investir em rodas de conversa e outras ações que criem espaços de diálogo também são uma ótima opção para mostrar que a saúde mental é uma prioridade, permitir o espaço de fala e desmistificar o assunto dentro e fora do ambiente de trabalho. Essa iniciativa é fundamental para que as mulheres se sintam reconhecidas, acolhidas e valorizadas pela empresa. Essas emoções positivas são fundamentais para o equilíbrio emocional do estresse.

A única forma de entender as expectativas e cobranças vividas pelas mulheres e, portanto, as origens desse estresse, é reconhecer suas experiências através desse espaço de fala. Ao entender as necessidades individuais de suas colaboradoras, as empresas têm mais chances de serem bem sucedidas na criação de estratégias, tanto individuais quanto coletivas capazes de promover maior bem-estar e saúde. Não adianta criar um programa de relaxamento se a agenda das colaboradoras é tão cheia de compromissos que não sobra tempo para participar da atividade, por exemplo. Assim, vemos as organizações oferecendo ótimas iniciativas, mas com uma baixa adesão. Isso significa que não atingimos a raiz do problema e os investimentos não estão sendo assertivos.

Flexibilize

“Trabalho é trabalho, não há nada que eu possa fazer.” Quantas vezes já não ouvimos essa frase? Mas será que não há nada mesmo que se possa fazer? Muitas vezes, percebo que as pessoas seguem angustiadas e sobrecarregadas em suas atividades diárias, sem ter nem a oportunidade de negociar prazos, metas e expectativas.

“Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Essa mentalidade que nos conduziu por muito tempo na relação com o trabalho acaba censurando previamente todas as possibilidades que temos hoje de negociar a maneira como (e quando) o trabalho será realizado. A verdade é que hoje temos muito mais recursos para conciliar diferentes aspectos da vida de uma maneira harmônica, mas é preciso preparar as pessoas para viverem uma nova relação com o trabalho.

O acesso à tecnologia, a promoção da autonomia e o foco no resultado são mudanças estruturais nas empresas que vêm permitindo a cada dia maior flexibilidade para a maneira como o trabalho é desenvolvido. Contudo, a cultura da organização deve acompanhar essa mudança. Precisamos treinar a liderança para os novos modelos de gestão, baseados no desenvolvimento dos colaboradores, no compartilhamento da visão, na abertura ao diálogo e nas relações de confiança.

Quando bem aplicado, esse modelo permite maior equilíbrio de vida, e reduz o estresse associado ao excesso de críticas e cobranças, que comumente impactam negativamente o engajamento e a performance dos colaboradores. Esse ponto é essencial para saúde mental das mulheres, que comumente sentem que devem se dedicar mais ao trabalho para serem reconhecidas.

A melhor forma de lidar com grupos sobrecarregados não é atribuindo mais tarefas, tornando a rotina mais complexa e enrijecendo os processos, na verdade é fazendo o oposto. Flexibilizar, priorizar e simplificar são ações determinantes para garantir que a pressão emocional sentida por essas mulheres se reduza e, com isso, haja também a diminuição do estresse vivido diariamente.

Como dica para a liderança, que tal aproveitar as sessões de feedback ou trocas individuais para conhecer melhor a rotina das colaboradoras? Observe se é possível acomodar melhor horários de trabalho, agendas de reuniões ou outros compromissos profissionais que, eventualmente, podem estar gerando maior tensão no dia a dia, sem necessidade.

Uma conversa franca, observando o que é (ou não) possível flexibilizar na rotina pode ser fundamental para uma melhor organização da agenda de trabalho, sem ignorar outras atividades e compromissos pessoais que fazem parte de seu dia a dia.

Lembre-se que a empatia segue sendo fundamental, evite julgar ou minimizar o que é dito. Mulheres que são mães, por exemplo, são duas vezes mais propensas que os homens que são pais a se preocuparem que suas responsabilidades com os filhos possam gerar uma percepção negativa de impacto sobre seu desempenho no trabalho. Para que essa ação tenha um impacto positivo, mantenha uma atitude proativa na hora de conciliar as necessidades individuais das colaboradoras e os interesses da empresa. Deixe as mulheres confortáveis para expor seus desafios e com tranquilidade, identifique as oportunidades de trazer maior fluidez e eficiência para sua rotina.
 

Ajude-as a estabelecer limites saudáveis

Flexibilizar agendas e modelos de trabalho é fundamental, mas devemos ir além! Não podemos estar em dois lugares ao mesmo tempo e mesmo quando estamos em um lugar fisicamente, podemos estar com a cabeça em outro completamente diferente, não é mesmo? A sobrecarga é percebida não só através de um excesso de compromissos conflitantes, mas também a partir de expectativas e metas irreais.

Devido a uma série de fatores culturais, o que vemos hoje ainda é uma tendência maior das mulheres de assumirem que devem estar disponíveis para atender às demandas que surgem. Sejam elas demandas pessoais ou profissionais. Dificuldade de dizer “não”, constrangimento, medo de frustrar outras pessoas, insegurança de ser criticada ou mal avaliada. O fato é que isso apenas faz com que as mulheres sintam-se cada vez mais sobrecarregadas e levem uma vida que é direcionada por demandas e expectativas externas. De maneira geral, sobra pouco tempo para cuidarem de si mesmas ou colocarem-se em primeiro lugar.

Assim, as organizações podem desempenhar um papel de apoio importante, ajudando essas mulheres a desenvolverem novas habilidades de comunicação, inteligência emocional e liderança. Pouco a pouco, a expectativa é que elas sintam-se mais seguras, se posicionem com clareza e estejam confortáveis em expor suas opiniões para, aí sim, poderem definir seus limites.

Isso pode ser feito a partir de treinamentos ou orientando a própria liderança a mentorar essas mulheres em sua trajetória profissional e desenvolvimento individual. Para os gestores, as conversas individuais também podem ser um espaço de negociação para metas e prazos. Priorizar entregas e trabalhar com cronogramas mais assertivos também é uma boa forma de garantir que cada colaboradora saiba exatamente qual sua principal contribuição para a organização a cada momento e, portanto, onde deve focar sua energia.

Ao acomodar melhor os compromissos e demandas, é possível reduzir em grande parte a sensação de estar “sempre devendo”. Isso pode desencadear excesso de autocobrança, autocrítica e contribuir para redução da autoestima dessas colaboradoras, que sentem que estão sempre aquém daquilo que se espera delas. Cuidar desses limites e acomodar melhor diferentes ambições e aspectos de vida são uma forma de autocuidado, fundamental para nossa saúde emocional.

A busca pela saúde mental virá justamente com o exercício do equilíbrio. Diga-se de passagem não é estável, mas sim dinâmico e contínuo, pois a vida sempre muda! Essas práticas em conjunto ajudam a reduzir a percepção de sobrecarga, o esgotamento e a frustração que compõem a rotina de grande parte das mulheres e desencadeiam as respostas de estresse e ansiedade. Como iniciativas organizacionais, também representam a valorização dessas colaboradoras e criam oportunidades reais de crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional.

Ainda que a busca pela saúde mental seja atribuída a uma jornada individual, o ambiente de trabalho e o suporte social que as mulheres recebem é fundamental nessa caminhada. Além disso, representa uma mudança cultural importante. E o papel das empresas é central nisso tudo, podendo contribuir diretamente para ser justamente a diferença que buscamos ver no mundo! A reflexão que fica é: O que mais pode ser feito hoje para apoiar as mulheres?



Fonte: Você RH


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