Publicado por Redação em Carreira - 18/06/2020

O cargo de diretor de aprendizado antes, durante e depois da pandemia

No início de 2007, eu estava estruturando o curso de extensão em gestão da educação corporativa da FIA (Fundação Instituto de Administração), que seria lançado no primeiro semestre de 2008. Hoje ele transformou-se em um curso de pós-graduação (lato sensu), mantendo sua característica inicial: 70% a distância.

O interessante é que à época, com o curso praticamente estruturado e pronto para ser divulgado, em setembro de 2007 saiu uma matéria na revista Isto É sobre as “profissões do futuro”, onde se destacavam as principais carreiras e áreas de atuação em alta: professor, diretor, consultor educacional, educação corporativa e educação a distância. Enfatizava inclusive que a relação aluno-professor sofreria mudanças, principalmente em função do digital. Bingo! Para mim essa matéria foi um reforço de que eu estava na direção certa com o projeto do curso que visa principalmente formar um chief learning officer (CLO).

Você sabe o que é um CLO? O que ele faz, quais seus papéis e responsabilidades, quais competências deve ter e como desenvolvê-las?

É interessante observar que, no Brasil, ainda que não se aplique tal terminologia pomposa, pode-se verificar a existência de uma função similar à de CLO nas organizações, embora com uma variedade muito grande de posições para o responsável pelos Sistemas de Educação Corporativa (SEC): reitoria, diretoria de educação corporativa, gerência de educação corporativa, gerência de unidade de negócios educação, gerência-executiva da universidade corporativa, supervisão da escola corporativa, etc – viva a liberdade!

Porém, a grande maioria dessas posições está dois níveis abaixo do(a) CEO da empresa. Ou seja, não tem acesso imediato ao alto-escalão. Portanto, está distante da estratégia empresarial. Na medida em que os programas oferecidos devem instrumentar os objetivos estratégicos de negócio da empresa, isso se configura como uma falha considerável.

Adaptando e sintetizando os principais autores sobre o assunto (Allen, 2007; Barley, 2002; Elkeles e Phillips, 2006; Wheeler, 2005; e, Corporate University Exchange, 2004), que pesquisaram e escreveram sobre o perfil de CLO, temos basicamente seis grandes blocos de competências que ele deve possuir:

  1. Ser visionário(a) e entender do negócio, da estratégia e da cultura organizacional
  2. Liderar a gestão do conhecimento integrada à aprendizagem organizacional
  3. Dominar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação dos programas/soluções de aprendizagem dos mais diversos tipos e para os mais diversos públicos
  4. Ser construtor de alianças e parcerias tanto internas (alavancagem dos relacionamentos com os líderes do negócio e influenciadores por toda a organização) quanto externas (estabelecimento de parcerias com instituições externas e contratação de provedores)
  5. Operar a unidade de educação como um negócio: gerenciando a marca, a infraestrutura, os recursos, as bibliotecas etc.
  6. Promover inovação e planejamento da tecnologia de aprendizado, envolvendo educação a distância e e-learning, IA (inteligência artificial), RV (realidade virtual), big data, transformação digital etc.

Com tanto conhecimento sobre competências requeridas na gestão da educação corporativa, empresas de grande porte foram pegas de surpresa pela pandemia do coronavírus. Foto: Pixabay

Jeanne Meister, que publicou com pioneirismo o livro Corporate Universities: Lessons in Building a World-class Work Force (1998), é uma das fundadoras e atualmente está à frente do The Future Workplace, uma organização que procura orientar empresas no seu preparo para o ambiente de trabalho do futuro. Tem organizado eventos para discutir os papéis e desafios de CLO. Tive a oportunidade de participar de dois desses eventos intitulados CLO Insight Summit, em Nova York, em 2017 e em 2019.

Recordo-me bem dos temas que foram exaustivamente discutidos em 2017: trabalho remoto (o que sua empresa está fazendo para fornecer suporte para trabalhadores remotos?), liderança de equipes mistas compostas de humanos e robôs e interseção da IA nos processos de gestão de pessoas. E os termos que mais escutei durante os dois dias foram: inteligência artificial, educação digital, conveniência, espaço educacional omnichannel, transformação digital, realidade virtual, microlearning, gamification etc.

Tão enfatizada foi a questão da tecnologia digital a ponto de no dia do encerramento ser colocada a questão pela organizadora do evento: “será chief learning officer ou chief digital officer? E as mesmas reflexões temáticas foram reforçadas no summit do ano passado.

O que sempre me pergunto é por que, com tanto conhecimento e discussão sobre as práticas e competências requeridas na gestão da educação corporativa, tantas empresas de grande porte e com bons sistemas de educação, foram pegas de surpresa pela pandemia do novo coronavírus, no que diz respeito à transformação digital? Tão propalada em várias delas, nem sempre praticada… Agora, com muita dor, angústia, perplexidade e senso de urgência, as lições começam a ser aprendidas e executadas.

Note-se que mais de 250 pessoas das universidades corporativas ou atuantes na área fizeram o curso que coordeno. Lembro que, desde a primeira turma, operava 70% a distância. É notório que o ensino corporativo já é muito diferenciado em relação ao ensino acadêmico no que diz respeito à adoção da aprendizagem mediada por tecnologia digital. Mas com certeza ainda há espaço para avanço, principalmente no tocante à incorporação e à integração de técnicas mais sofisticadas como realidade virtual, realidade aumentada, big data etc.

Não obstante, algumas poucas instituições deram um show de modernidade, competência e agilidade em termos de ensino eficaz, em pleno “olho do furacão” que a pandemia as colocou. Um ótimo exemplo dentre elas é a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein.

Enfim, as mudanças requeridas para a gestão da educação corporativa e gestão de pessoas pós-pandemia não são novas, embora carreguem novos desafios e implicações sob a ótica jurídica. O que é novo de fato é que agora elas terão que sair do discurso e ser aceleradas. Adotar novas orientações no painel de aprendizado e da experiência de trabalho, incluindo home office, usando as mais recentes e sofisticadas tecnologias digitais.

Por mais incerto e confuso que pareça ser o futuro, é mister enfrentá-lo e antecipá-lo. A empresa onde você trabalha está se preparando para o futuro – que está bem perto? E suas lideranças? E você?

* Marisa Eboli é doutora em administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e especialista em educação corporativa. É professora de graduação e do mestrado profissional da Faculdade FIA de Administração de Negócios (meboli@usp.br).



Fonte: ESTADÃO


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