Publicado por Redação em Gestão do RH - 23/12/2025
Crise na gerência: quando a pressão por performance silencia a eficiência

Por anos, o investimento em desenvolvimento organizacional se concentrou na alta liderança. Executivos receberam programas sofisticados, imersões internacionais e mentoring estratégico. Enquanto isso, a liderança que está no meio da pirâmide seguiu no centro do turbilhão, em um território marcado por ambiguidade, pressão e expectativas crescentes. O paradoxo é que, justamente nessa camada que sustenta a operação real do negócio, a segurança psicológica hoje é a mais baixa de toda a organização.
Pesquisas internacionais recentes mostram que gerentes intermediários se sentem menos à vontade do que seus próprios liderados para admitir erros, levantar problemas ou simplesmente dizer “não sei”. E esse desconforto é ainda maior quando comparado à alta liderança. O dado acende um alerta importante: estamos negligenciando exatamente a função que conecta estratégia e execução. É nesse intervalo, entre a visão do topo e os maestros da operação, que as informações deveriam circular com rapidez e nitidez, mas estão sendo abafadas.
Para muitos gerentes, qualquer gesto de vulnerabilidade parece carregar um custo reputacional e pessoal alto demais. A exposição aumenta, as expectativas se tornam difusas e a sensação permanente de estar sob avaliação cria uma defensiva silenciosa. Esse mecanismo de autoproteção corrói o diálogo, reduz a aprendizagem e compromete a velocidade com que a organização consegue reagir ao que realmente importa.
O custo do silêncio
De acordo com a Dra. Amy Edmondson, no que ela chama de “Gerenciamento de Impressão”, quando as pessoas gastam energia tentando parecer perfeitas, sobra pouca energia para realmente contribuir e aprender. É exatamente esse o dilema vivido pelos gerentes intermediários: uma pressão silenciosa para parecerem infalíveis, mesmo quando a complexidade do contexto exige justamente o contrário.
Casos como o da Boeing e o do submersível Titan, amplamente documentados em investigações oficiais e em diferentes produções jornalísticas, mostram o que acontece quando profissionais deixam de apontar riscos por medo de repercussões. Em ambos os episódios, vozes técnicas foram silenciadas, preocupações foram minimizadas e a cultura de pressão por performance criou um ambiente em que falar parecia mais arriscado do que calar. O que estava em jogo ali era segurança operacional, mas o mecanismo psicológico é o mesmo: quando a vulnerabilidade tem custo alto demais, o silêncio, em muitos casos, pode custar vidas.
A pesquisa conduzida por Jan U. Hagen e Bin Zhao, publicada na Harvard Business Review, reforça esse cenário com dados contundentes. Em um levantamento global com mais de mil gerentes, a liderança intermediária registrou 68 pontos em segurança psicológica, enquanto a alta liderança alcançou 72,7 em uma escala de 100. O padrão se repete quando comparado aos próprios times, que se sentem, em média, 4,2 pontos mais seguros para se expressar. O recorte mais sensível aparece entre os recém-promovidos: profissionais com menos de três anos no cargo apresentam os menores índices de todos, evidenciando que a transição para liderar segue sendo a etapa mais exigente e a menos apoiada das organizações.
Segundo os autores do estudo, cinco forças estruturais empurram a gerência para o silêncio: o paradoxo da promoção, que aumenta exposição e risco; a falta de modelagem da alta liderança; o mito da perfeição organizacional; o isolamento estrutural da função; e o choque da transição para novos níveis de responsabilidade. O problema não é individual. É sistêmico. E, como mostram os diagnósticos que conduzimos ao longo dos últimos cinco anos no IISP (Instituto Internacional em Segurança Psicológica), essa raiz estrutural explica por que o fenômeno se repete de forma tão consistente também nas empresas brasileiras.
Quando a camada intermediária não tem autorização emocional nem institucional para nomear problemas, o que se perde não é apenas abertura, mas a eficiência. Erros deixam de ser relatados, sinais críticos chegam tarde e decisões passam a ser tomadas com informações incompletas. A inovação desacelera porque ninguém quer assumir riscos que possam ser interpretados como falhas diante do topo. As equipes, observando estes comportamentos, rapidamente ajustam seu próprio discurso.
O resultado é uma organização que conversa muito, mas fala pouco do que importa.
Destravando diálogos
Apesar disso, existem caminhos simples e concretos para iniciar uma mudança real. Eles não exigem grandes investimentos, mas clareza, consistência e disposição para revisar as relações de poder e os rituais de liderança. São movimentos que podem começar de forma pequena e evoluir rapidamente quando sustentados pela alta gestão:
Recalibrar o significado de responsabilidade – Diferenciar erro honesto de negligência é essencial. Quando tudo recebe a mesma punição, o silêncio vira estratégia de autoproteção;
Modelar a vulnerabilidade no topo – Executivos que compartilham aprendizados e correções de rota enviam um recado claro: falar cedo para ajustar e aprender é maturidade, não fraqueza;
Criar momentos de apoio entre pares – A solidão da gerência intermediária é real. Comunidades de prática, encontros mensais e grupos de mentoria ou peer coaching devolvem sustentação e pertencimento;
Tratar a promoção como crescimento, e não somente como prêmio – Mentoria, primeiros 100 dias, expectativas claras e alfabetização em tomada de riscos interpessoais ajudam novos gerentes a ganhar confiança e repertório mais rapidamente.
Esses movimentos, simples na forma e consistentes na prática, produzem efeitos profundos. Eles devolvem à gerência a liberdade de pensar em voz alta, circular conhecimento e antecipar riscos. E, quando isso acontece, a organização recupera algo essencial: inteligência coletiva em tempo real.
A segurança psicológica da gerência intermediária não é um tema de “clima organizacional”. É um tema de performance e de estratégia. Ela determina a qualidade da informação que chega ao topo, o quanto a empresa aprende com seus próprios erros e a velocidade com que decisões são ajustadas antes de virar crise.
Quando essa camada está silenciosa, a organização toma decisões no escuro e segue repetindo erros evitáveis. Quando pode falar a tempo, a empresa enxerga melhor, corrige mais rápido e aprende de forma contínua.
A pesquisa conduzida por Hagen e Zhao é um alerta, mas também uma oportunidade. O centro nervoso da empresa está pedindo espaço, clareza e condições reais para exercer sua função estratégica. Prestar atenção a esse sinal é preservar a capacidade de adaptação do negócio. É isso que separa empresas que apenas reagem daquelas que aprendem de fato.
Os resultados mais sustentáveis surgem quando a liderança intermediária pode compartilhar informações difíceis antes que virem problemas maiores. Sem essa base, nenhuma organização consegue aprender no ritmo que o mundo exige.
Fonte: Você RH







