Publicado por Redação em Carreira - 04/06/2020

Encarar a vida adulta em meio a desastres econômicos deixa cicatrizes duradouras

Matthew Henderson não poderia ter entrado no mercado de trabalho em um momento pior. Ele está no último ano da graduação na Universidade Loyola e estagiava como analista de política comercial no Consulado Britânico em Chicago. Mas suas chances de transformar essa oportunidade em um emprego permanente após a formatura caíram drasticamente devido à pandemia do novo coronavírus.

Agora, Henderson está em casa com sua família em South Bend, Indiana, desempregado e considerando empregos em lojas de varejo como Costco e Target para ajudar a pagar os US$ 24 mil em empréstimos estudantis. “Estou nessa bolha de ansiedade“, disse Henderson, que acabou de completar 21 anos. “Tenho que pagar os empréstimos, mas não tenho dinheiro para pagá-los.”

Com dívidas e entrando em um mercado de trabalho devastado pela pandemia, ele e milhões de seus contemporâneos enfrentam um futuro excepcionalmente arriscado. Jovens adultos, especialmente aqueles sem diploma universitário, são particularmente vulneráveis em recessões. Eles são novos no mercado de trabalho – com experiência mínima e pouco ou nenhum tempo de serviço para protegê-los de demissões.

Um grande conjunto de pesquisas – assim como a experiência daqueles que atingiram a maioridade na última recessão – mostra que os jovens que tentam iniciar suas carreiras durante uma crise econômica estão em desvantagem duradoura. Seus salários, oportunidades e confiança no local de trabalho podem nunca se recuperar completamente.

E na pior desaceleração econômica de gerações – uma sem fim à vista – o padrão está começando a se vingar. De março a abril, a taxa de empregos (nos Estados Unidos) caiu em um quarto para trabalhadores entre 20 e 24 anos e 16% para aqueles entre 20 e 29 anos. Isso se compara a cerca de 12% dos trabalhadores na faixa dos 50 anos.

Em um artigo para Lawfare, um blog sobre direito e segurança nacional, o historiador David Kennedy e o general aposentado Karl Eikenberry compararam a crise atual à guerra, quando os idosos enviam os jovens para lutar e morrer. “São os jovens – estudantes endividados e hipotecários em dificuldades, pais que bancam famílias com dinheiro contado mês a mês, recém-formados inseguros e candidatos ansiosos ao primeiro emprego – cujas vidas serão mais marcadas”, escreveram eles.

O estagiário Matthew Henderson, que está desempregado durante a pandemia. Foto: Chris Walker/NYT

Para alguns trabalhadores mais jovens, este é o segundo golpe em apenas uma década. Uma análise do McKinsey Global Institute observou que “a geração que entrou no mercado de trabalho após a Grande Recessão está passando pela segunda vez por uma daquelas crises que “acontecem apenas uma vez na vida”.

Jordan Haggard, de 33 anos, formou-se pela Universidade do Estado de Oklahoma em 2009, nas profundezas da recessão. O mercado de trabalho era terrível: quando ela se candidatou a um emprego no McDonald’s, não teve pelo menos uma resposta.

Dez anos depois, Jordan trabalha como gerente de escritório de uma pequena editora em Seattle. Ela manteve seu emprego durante a pandemia, enquanto alguns colegas foram dispensados. Mas ela ainda sente os efeitos de 2009.

“Eu sei que nunca poderei comprar uma casa em Seattle ou mesmo viver sozinha sem dividir uma casa com uma ou duas pessoas”, disse Haggard. “A vida é diferente daquela que me foi contada ou imaginada.”

Jesse Rothstein, da Universidade da Califórnia, Berkeley, acompanhou os graduados que entraram no mercado de trabalho após a crise financeira de 2008. Em 2018, aqueles que conseguiram empregos em 2010 e 2011 tiveram uma taxa de emprego mais baixa do que as pessoas da mesma idade que se formaram antes da recessão, e os que estavam trabalhando, ganhavam menos.

Os efeitos provavelmente persistirão. Lisa B. Kahn, professora de economia da Universidade de Rochester, acompanhou jovens brancos do sexo masculino que se formaram na faculdade em 1979 e 1980, nas garras de uma recessão anterior. Nas duas décadas seguintes, ela descobriu que eles ficaram presos em empregos com baixas condições de trabalho e com salários menores. Mesmo depois que a economia se recuperou, eles tiveram dificuldade em mudar para empregos melhores.

As causas parecem variadas. Os graduados durante períodos de recessão, com oportunidades limitadas, começarão em empregos “piores”. Quando a economia se recuperar, eles competirão por empregos com pessoas que têm mais experiência. Além disso, observou Lisa, os graduados em períodos de recessão parecem mais avessos ao risco.

“As pessoas que se formam nesses períodos não mudam de emprego com a mesma frequência que as pessoas que se formam em momentos mais prósperos”, observou ela. E essas mudanças de emprego são uma das melhores maneiras de obter um aumento de salário.

O início difícil fez sombra na carreira de muitos deles. Till von Wachter, da Universidade da Califórnia, Los Angeles, e Hannes Schwandt, da Universidade Northwestern, acompanharam os americanos que entraram no mercado de trabalho em 1981 e 1982, durante a maior recessão pós-guerra da época.

Na pandemia do novo coronavírus, o impacto desigual das paralisações dos negócios sobre os jovens corre o risco de abrir um fosso entre gerações com seus parentes mais velhos, que têm maior probabilidade de morrer da doença.

Os interesses divergentes podem afetar as políticas já neste ano. Em um trabalho de pesquisa publicado no mês passado, Dirk Krueger, da Universidade da Pensilvânia, e três colegas estimaram que as pessoas com idade para se aposentar optariam por fechar uma parcela muito maior de empresas não essenciais e mantê-las fechadas, enquanto os trabalhadores mais jovens nessas empresas fechadas têm mais perder. “O conflito entre idosos e jovens é grave”, observou Krueger.

Os efeitos secundários dessa pandemia provavelmente se espalharão pela sociedade no futuro.

Jordan Meier, que acabou de se formar pela Universidade do Missouri, procura emprego como repórter desde fevereiro. Apesar de um currículo forte, ela conseguiu encontrar apenas um estágio que oferece US$ 250 por mês, apenas o suficiente para o pagamento das parcelas de seu carro e sem perspectivas de período integral depois disso.

Jordan Meier, em busca de um emprego como repórter. Foto: Christopher Smith/NYT

“Você trabalha durante anos, estuda e chega a esse ponto em que está se preparando para conseguir um emprego”, disse ela. “E agora não consegue fazer isso. É muito frustrante.”

Não seria surpreendente se esse transtorno econômico mudasse a percepção dos jovens em relação ao mundo, a justiça e o papel do governo.

Jordan, a gerente de escritório que se formou em 2009, era republicana na faculdade. Ela votou em John McCain nas eleições presidenciais de 2008. Mas a recessão mudou sua visão de mundo. Agora, ela é muito mais liberal e votou em Bernie Sanders na primária democrata deste ano em Washington.

“Um grande lema republicano é: ‘Coloque-se para cima você mesmo; não dependa da ajuda de ninguém”, disse ela. “Bem, não vivemos em um mundo onde isso é possível, pelo menos não nos Estados Unidos.”

Paola Giuliano, economista da UCLA, e Antonio Spilimbergo, do Fundo Monetário Internacional (FMI), estudaram como os reveses econômicos afetam a ideologia pessoal.

Analisando os dados da General Social Survey de 1972 a 2010, eles concluíram que as pessoas que experimentam uma recessão durante o que os psicólogos sociais chamam de “anos impressionáveis”, aproximadamente dos 18 aos 25, eram mais propensas a acreditar que o sucesso na vida depende menos do esforço do que da sorte, a apoiar políticas públicas redistributivas para ajudar os menos afortunados e mitigar a desigualdade e a votar com mais frequência nos partidos de esquerda.

Entre os que foram atingidos diretamente – jovens trabalhadores que perderam o emprego – a mudança ideológica pode ser ainda mais forte. “Isso, em princípio, deve criar uma divisão entre gerações”, afirmou Paola.

Resta um vínculo crucial entre gerações: a família. Os jovens cuidam de seus pais e não querem que eles morram de covid-19. Os idosos se preocupam com o bem-estar financeiro de seus filhos e netos, bem como com o equilíbrio de sua aposentadoria. Eles não querem que a economia entre em queda livre.

Durante grande parte de sua vida adulta, a mãe de Jordan Haggard, Brenda Michael-Haggard, de 59 anos, sentiu que as pessoas que perdem empregos ou enfrentam outras formas de adversidade deviam persistir e simplesmente “encontrar outra maneira de fazer as coisas acontecerem”.

Agora ela viu a geração da filha passar por duas crises econômicas em pouco mais de uma década e dezenas de milhões de pessoas perderem seus empregos praticamente da noite para o dia. Isso mudou a maneira como ela olha para o mundo.

“Como mãe, caramba, é muito ruim”, disse ela. “É algo que eu gostaria que qualquer um de nós pudesse impedir. Com todo o cenário da covid-19, você não pode simplesmente se recompor e encontrar algo diferente.”

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA



Fonte: Estadão


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