Publicado por Redação em Notícias Gerais - 11/05/2015

Segurança Pública brasileira é improdutiva, violenta e reproduz desigualdades

Apenas a polícia brasileira foi responsável por seis mortes por dia, em 2013, reflexo da ideologia militar da corporação, segundo o relatório da Comissão. Hoje, o Brasil é responsável por um em cada dez homicídios no mundo

Relatório final da Comissão da Verdade paulista sistematiza historicamente o viés repressivo da polícia e pede a desmilitarização e a unificação das polícias

"A Polícia Militar tem uma organização e formação preparada para a guerra contra um inimigo interno e não para a proteção. Desse modo, não reconhece na população pobre uma cidadania titular de direitos fundamentais, apenas suspeitos que, no mínimo, devem ser vigiados e disciplinados, porque assim querem os sucessivos governantes, ontem e hoje." Essa é a conclusão do capítulo sobre a militarização da polícia brasileira, presente no relatório final da Comissão da Verdade "Rubens Paiva", divulgado nesta quinta-feira 12.

Através de um estudo histórico, que recupera a formação das polícias brasileiras desde o período colonial, o relatório sistematiza o modelo escolhido pelo Brasil para formar seus policias e sugere uma profunda reforma da Segurança Pública a fim de acabar com o crescimento recorde de mortes de civis e policiais e com a "improdutividade" das corporações, que hoje estão divididas em duas polícias, cada uma com duas carreiras.

O debate sobre a necessidade de reformar a Segurança Pública brasileira não é exclusividade da Comissão da Verdade. Segundo pesquisa DataFolha de 2014, a segurança já é a segunda maior preocupação dos brasileiros. E não é à toa. Hoje, o Brasil é responsável por um em cada dez assassinatos cometidos no mundo. Diariamente, 154 pessoas são mortas no País. Por outro lado, fontes extraoficiais estimam que o número de pessoas presas no Brasil já beira 600 mil pessoas, o que faz do País o terceiro maior em população carcerária do mundo, apenas atrás de Estados Unidos e China. Em doze anos, o crescimento carcerário brasileiro foi de mais de 620%, enquanto o populacional foi em torno de 30%.

Uma das causas deste cenário de caos reside, segundo o relatório, na incapacidade da Polícia Militar se adaptar ao regime democrático. "A Polícia Militar foi e continua sendo um aparelho bélico do Estado, empregada pelos sucessivos governantes no controle de seu inimigo interno, ou seja, seu próprio povo, ora conduzindo-o a prisões medievais, ora produzindo uma matança trágica entre os residentes nas periferias das cidades ou nas favelas", afirma o texto. Segundo o documento, a concepção militar da polícia é voltada para o controle político e não para a prevenção da violência e criminalidade. A avaliação do relatório é reforçada por levantamentos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Anistia Internacional. Segundo estas organizações, a polícia brasileira matou, em média, seis pessoas por dia, em 2013. No ano anterior, 30 mil jovens brasileiros foram mortos, sendo 77% deles, negros.

A alta letalidade policial e suas práticas repressivas não foram, no entanto, as únicas marcas deixadas pela ditadura na gestão da segurança pública brasileira. Em depoimento prestado à Comissão, o ex-funcionário da Secretaria Nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares revelou que, até meados dos anos 2000, policiais militares ainda recebiam aulas de tortura nas corporações. "Nós nos esquecemos que a transição (democrática) passou de forma insuficiente pelas áreas da Segurança Pública", disse. “Até 1996, na formação da Polícia Civil do Rio de Janeiro havia aulas sobre como bater. Não é defesa pessoal, porque é indispensável, é como bater. O Bope oferecia, até 2006, aulas de tortura. E não estou me referindo, portanto, apenas às veleidades ideológicas de um e de outro, nós estamos falando de procedimentos institucionais”, completou Soares, que também é ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

Assim como no período ditatorial, os assassinatos e a tortura exercidos pelos agentes públicos seguem, na maioria dos casos, impunes. A ONG Conectas Direitos Humanos analisou, em 2014, 455 decisões de todos os Tribunais de Justiça do Brasil sobre denúncias de torturas. Ao final, o levantamento constatou que policiais e funcionários do sistema prisional condenados em um primeiro julgamento foram absolvidos, na segunda instância, em 19% dos casos. Entre agentes privados, o índice de absolvição cai praticamente pela metade (10%).

A dependência da polícia por parte de órgãos investigativos e de perícia, como o Instituto Médico Legal (IML), é uma das razões para a impunidade em casos de violência policial. "É como se um colega produzisse provas contra outro, o que implica em conflitos de interesse", afirma Vivian Calderoni, advogada da Conectas. O mesmo raciocínio é utilizado pelo documento da comissão em relação às mortes decorrentes de conflito com a polícia, os chamados autos de resistência. "Não há investigação sobre os autos de resistência, o que garante, através da impunidade, a permissividade dos crimes, com aval e promoção institucional", afirma o documento. Atualmente, existem diversos projetos pelo fim dos autos de resistência no Congresso, porém, todos estão emperrados na burocracia do parlamento.

Levantamentos como o da ONG Conectas revelam que a cultura de uma polícia repressiva e, muitas vezes, impune, é uma realidade nacional. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a tropa mais letal do País é a do Rio de Janeiro, seguida pela de São Paulo, depois Bahia e Pará, "estados governados por partidos políticos diferentes, o que sugere que essa cultura carcerária é compartilhada por diversas forças políticas", diz a comissão.

 

Por outro lado, o Brasil também possui o recorde de policiais assassinados no mundo: 490 em 2013, 43 a mais do que em 2012. Por conta disso, a proposta de desmilitarização policial encontra grande aceitação entre os policiais de baixa patente. Uma pesquisa da FGV, de 2014, mostra que 73,7% dos policiais apoiam a desmilitarização. Segundo a mesma pesquisa, entre os policiais militares, o índice sobe para 76,1%.

Ao todo, estima-se que os custos ligados à violência, em 2013, giraram em torno de 258 bilhões de reais, sendo que a maior decorreu da perda do capital humano, com mortes e invalidez, representando 114 bilhões de reais.
 

Uma história de repressão

Do ponto de vista da organização e instrução, a polícia brasileira, do Brasil Colônia até a República, se constituiu como uma força militar, com a finalidade de garantir a ordem interna e, por vezes, ser o exército da elite do estado ou província. No Brasil colônia, por exemplo, uma das funções da polícia era garantir a submissão dos escravos. Já na República, a polícia paulista era caracterizada como uma força militar estadual, ou seja, um pequeno exército a serviço da elite cafeeira.

No entanto, foi em 1967, com o decreto da Doutrina de Segurança Nacional, que se fortaleceu a ideia das polícias como forças repressivas com o intuito de combater um inimigo interno, no caso, o comunismo ou a subversão. "Com a criação da Doutrina de Segurança Nacional se criou a figura do inimigo interno. O Exército tem o seu inimigo externo, mas na Doutrina de Segurança Nacional se cria a figura do inimigo interno, que é para fazer o combate à luta armada", afirma o coronel reformado da Polícia Militar Fábio Gonçalves, em depoimento.

Em 1969, o presidente ditador Costa e Silva, outra vez por meio de decreto, reorganiza as polícias militares. No mesmo ano, tem início a Operação Bandeirante, um órgão de repressão política criado por acordo entre as Forças Armadas e a Polícia Militar paulista, sob ordem do governo estadual e com apoio político e material de empresários. No ano seguinte, a relação entre militares e policiais militares se intensifica e cria-se o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), que posteriormente terá sua atuação nacionalizada com órgãos semelhantes fora do estado de São Paulo.

Segundo o relatório, é neste bojo que acontece a unificação da Força Pública e Guardas Civis Estaduais, consolidando a Polícia Militar como a conhecemos hoje. "[Graças ao] golpe dentro do golpe [AI5] que se militarizam ao extremo as forças de segurança, centraliza-se o comando, o controle, a coordenação do sistema", diz o relatório.

Nesse sentido, o relatório sugere a desmilitarização e unificação das polícias, com o fim da duplicidade das carreira policiais, como medida fundamental para reverter o carácter repressivo das forças de segurança civil. Além disso, pede-se a revogação dos decretos que integra a P/2 das Polícias Militares ao Serviço Secreto do Exército, produtos legais também da ditadura civil-militar.

Fonte: Revista Carta Capital


Posts relacionados

Notícias Gerais, por Redação

Empresas usam a experiência da 'melhor idade'

Sempre sorridente, Kunio, de 75 anos, reconhece cerca de 40% dos clientes do supermercado.

Notícias Gerais, por Redação

Brasil tem superávit comercial de US$ 891 mi no mês

A balança comercial brasileira registrou superávit de US$ 891 milhões nos onze primeiros dias do mês de novembro, segundo números divulgados nesta segunda-feira pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

Notícias Gerais, por Redação

Auditores fiscais da Receita vão paralisar atividades por 48 horas

Os auditores fiscais da Receita Federal vão parar de trabalhar por 48 horas a partir desta quarta-feira. A medida é um protesto "contra a dificuldade de negociação" com o governo, informou nota do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco).

Notícias Gerais, por Redação

BC regulamenta oferta de recursos para Minha Casa, Minha Vida

O Banco Central publicou nesta quarta-feira uma circular na qual impõe exigências às instituições financeiras interessadas em participar da oferta pública de recursos da União destinadas aos subsídios do programa Minha Casa, Minha Vida em cidades com até 50 mil habitantes.

Deixe seu Comentário:

=